Não venham dizer que o Rio Grande do Sul é arrogante, que se vê fora do país.
Pelo contrário, não se trata de soberba, mas um ato reativo de defesa ao desprezo do Brasil. O sentimento separatista que eclodiu desde a Guerra dos Farrapos só se manteve intacto porque não somos valorizados, acolhidos, reconhecidos em nossas necessidades mais básicas.
Um exemplo é que o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) decidiu manter a realização das provas do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) para o próximo domingo (5), durante o maior desastre natural da história do Rio Grande do Sul.
O CPNU tem o propósito similar ao Exame do Ensino Médio (ENEM). Enquanto este permite que os estudantes concorram a vagas em diversas universidades, o Concurso Unificado promove a contratação de funcionários, com ensino médio ou superior concluídos, para distintas esferas estaduais. Dividido por blocos de interesse, é possível se habilitar a uma área de atuação em mais de um órgão de uma só vez.
As provas devem ser aplicadas em 228 municípios de todo o Brasil. São cerca de 80 mil inscritos no estado, que farão as provas em 10 cidades gaúchas: Bagé, Caxias do Sul, Farroupilha, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Santo Ângelo e Uruguaiana.
Nenhuma delas está intacta. Nenhuma delas está segura. Nenhum morador consegue pensar ou focar em outro assunto, senão na sobrevivência.
Não é uma simples e provisória enchente. O estado está em frangalhos, com mais de trinta mortos, dezenas de desaparecidos, mais de 70 mil pessoas afetadas pela chuva e pela malha viária deficitária. Há estradas bloqueadas, pontes destruídas, barragens rompidas, cidades incomunicáveis, com previsão de transbordamento do Guaíba como nunca antes aconteceu.
E querem que nossos concurseiros possam realizar uma prova decisiva da sua formação de modo normal? É pilhéria? Piada de mau gosto?
Existe risco de falta de abastecimento de água e de luz, desespero pelo dia seguinte, medo de racionamento, e o Governo Federal pretende que a admissão siga conforme o script, como se nenhuma anormalidade estivesse em curso?
Como as famílias poderão entender tal gesto?
De modo nenhum, é de empatia, de igualdade de condições, de proteção.
Os inscritos gaúchos estão sendo prejudicados.
Não adianta a pasta informar que promoverá "esforços para garantir, no Rio Grande do Sul, a participação dos candidatos, em diálogo com as autoridades federais, estaduais e municipais competentes". Vigora absoluta ausência de condições de logística, além de psicológicas.
A maioria se acha desprovida da possibilidade de deslocamento.
O local destinado da prova pode estar destruído. O Ministério não está entendendo o óbvio ululante, escancarado na vida real minguada e precária.
Convenhamos: mesmo que alguém consiga comparecer, apesar de tudo, com que cabeça, no meio das notícias de parentes em perigo na devastadora invasão das águas, fará o exame em dois turnos, pela maratona de seis horas?
Nem jogos de futebol dos times gaúchos foram mantidos pela CBF. Nenhum espetáculo ou evento seguiu em cartaz.
Os responsáveis pela seleção dão as costas para a calamidade gaúcha. O reconhecimento deveria ser humano e moral.
Não somente as pessoas se encontram ilhadas em cima das suas casas esperando um helicóptero do Governo que não chega. O RS parece, infelizmente, fatalmente, totalmente ilhado.