Meu CPF é 67 71 89 57 0 04.
Eu falo por dezenas.
Já enfrentei situações nonsense em hotel, aeroporto, repartição pública, cartório, comércio.
Se o atendente repete de centena a centena — 677 189 570 04 —, perguntando se está certo, eu me perco. Não tenho certeza. Entro em parafuso.
Parece um outro número. Dá um bug no meu sistema, uma pane geral.
E reitero o meu início:
67 71 89 57 0 04.
O interlocutor busca confirmar.
— Então, é 677 189 570 04?
Não sei. Talvez, anotando num papel, esclarecêssemos a polêmica. Quase estou a registrar um número que é meu, que conheço desde os 18 anos.
Fica um papo de louco. Um tiroteio de equações.
Ditamos sequências como se faltasse algo, e elas se mostram exatamente iguais.
O constrangimento nos paralisa. O único jeito é entregar o papel para a certificação direta pela outra parte. Não sairemos do lugar, e a fila atrás de mim apenas aumenta.
Isso acontece porque me acostumei a uma pausa, a uma soletração, a uma maneira de espaçar. Vira uma nova língua matemática se a pronúncia é diferente.
Sou vítima de uma aprendizagem primitiva da qual não consigo me desfazer. Um comando de tabuada que não tenho como profanar. Um condicionamento infantil da decoreba que se encontra inscrito em meu DNA.
Há quem leia unitariamente, desembaraçando a existência. Há quem leia de par em par, numa postura básica. Há quem leia em trinca, complicando o contato. Há quem leia em quarteto, o padrão mais complexo, torturando o próximo, na arte sádica de criar dúvida no óbvio.
São algaravias diversas, de formações diversas, de gerações diversas.
O choque é tão grande que, se eu arriscar uma singela alteração na minha ordem, a ousadia de um novo arranjo, fugindo da minha tradição, sou capaz de esquecer o documento inteiramente, do mesmo modo que a senha é bloqueada na terceira tentativa errada.
Também é assim com a identidade e com o celular.
Sofro ao me deparar com leitores opostos dos códigos numéricos. Evito conversar com esses universos paralelos.
Eu memorizei os meus registros de cidadão seguindo uma musiquinha individual no pensamento, e não tem como interferir no beabá da melodia, senão tudo desanda.
É um dos raros momentos da vida em que me sinto burro, incapaz, atacado de timidez.
Talvez agora, forçosamente pelas circunstâncias, assimile aquela insistência dos professores para que eu não decorasse nada, para que procurasse entender.
Por desaforo, começarei a declarar: sessenta e sete bilhões setecentos e dezoito milhões novecentos e cinquenta e sete mil e quatro.