Cultuamos as figuras do pai e da mãe, do avô e da avó, mas pouco valorizamos os tios e as tias. Os tios e as tias melhoram os nossos pais. São nossos pais adotivos.
Eles enxergam o que a criança está passando ou sentindo, captam aquilo que os pais não percebem, tão sobrecarregados que estão com as obrigações diárias.
O tio e a tia são visitas interiores, com conhecimento de causa, coringas da existência. Além da particularidade do relacionamento que criam com os sobrinhos, são irmãos de nossos pais e sabem de cor os defeitos de cada um deles. Possuem privilégios da experiência e do discernimento.
O tio e a tia incentivam quando a criança se vê isolada e pouco compreendida, perdoam quando a criança se mortifica pelos seus erros, e despertam saudade de tempos mais felizes quando a criança perdeu a esperança na própria família. Ele não proibia a entrada das crianças na sala quando falava sobre assuntos sérios.
Dos meus tios, o que se encontra na frente do meu altar é Otávio Francisco Caruso da Rocha, quem primeiro me levou a tomar um espresso como gente grande numa cafeteria.
Não esqueço o seu perfume, de cachimbo e loção pós-barba.
Ao nos visitar, chamava-me com seu vozeirão rouco:
— Cadê o Santo, cadê o Santo?
Ele me apelidava de “Santo” pela minha quietude sonhadora. O que não deixava de ser um luxo de celebração, ainda mais diante dos outros adultos, que me reduziam a mero piá.
— Dá a bênção! — ele me pedia.
A bênção era o meu abraço.
E me pegava no colo, e beijava a ponta do meu nariz. Eu me enchia de importância, de atenção.
Dele vinha cuidado, jamais pena, jamais comiseração. Há uma grande diferença de tratamento entre essas duas perspectivas.
Todos me enxergavam como um menino problemático, com dificuldade de dicção, desengonçado, feio, monstrinho de botas ortopédicas vermelhas. Não ele, que me acolhia com um respeito bíblico.
Ele não solicitava reserva na conversa, não reivindicava que os quatro filhos saíssem da sala para falar assuntos sérios. Não proibia a nossa entrada nem a nossa participação. Mantinha o ritmo da casa do jeito que encontrava ao entrar.
Na época, eu não conhecia o famoso político e advogado — deputado federal, presidente do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, presidente de honra do PDT, candidato a vice-prefeito de Porto Alegre —, conhecia a sua versão caseira de amigo leal.
Otávio ostentava um bigode raso, que parecia desenhado, como se fosse uma sobrancelha de boca. Usava gravata, o terno alinhado, e se sentava estranhamente com as mãos nos bolsos.
Para se mostrar à vontade conosco, tirava os sapatos. Ríamos, porque ele sempre surgia com uma meia furada diferente. Asmático, ele brincava:
— Por algum lugar, preciso respirar.
Talvez seja por herança dele, do saudoso Otávio, que morreu três dias depois do meu aniversário de 16 anos, em 1988, com apenas 54 anos, que eu jamais costuro minhas meias rasgadas.
Eu respiro o chão de seus passos.