É comum ver idosos sofrendo golpes bancários, repassando suas senhas a estranhos no caixa automático, atendendo ligações de impostores como se fossem seus gerentes, assinando documentos em branco que são, na verdade, empréstimos consignados, ou acreditando em bilhetes premiados, ou ainda em falsos sequestros de familiares.
Minha mãe de 84 anos inverteu a lógica e se vingou de todas as fraudes amargas experimentadas pela sua geração, de todos os rombos ilícitos no orçamento de sua faixa etária.
Ela tem aplicado um golpe perfeito nos netos. Merecia um prêmio de malandragem. Nem um hacker seria tão liso, tão escorreito, tão invisível.
Ela sempre dá um dinheirinho de presente de aniversário. Uma quantia para que cada neto possa comprar livremente o que deseja. É uma mesada inesperada. Os pais são proibidos de visualizar a cifra, para não ficarem com inveja ou recorrerem à inoportuna pressão de rateio pelas despesas da casa.
Trata-se de uma saída criativa para não se sentir velha com os mimos. Depois de oferecer um liquidificador e um jogo de panelas que, evidentemente, não foram bem recebidos pelos adolescentes, ela desistiu de ir às lojas. Ela finge que não gostaria de adotar essa lembrança de natureza impessoal, alegando que foi o jeito que encontrou para não gerar constrangimento com um embrulho inconveniente, um agrado datado, e não errar mais o gosto deles.
Só que a sua generosidade vem na forma de um cheque.
Que jovem vai se deslocar para um endereço físico, atravessar o incômodo da porta giratória de detector de metal e da revista dos guardas, suportar o lento chamado por senhas para descontar hoje um cheque no banco?
Que jovem, totalmente digital, entrará numa fila para tirar o montante?
Os netos nasceram com dedos na tela de um celular. Estão acostumados com Pix, com transferências imediatas, com internet banking. Nunca tiveram um talão de cheques na vida. Sequer entendem os espaços a serem preenchidos e aquele valor em reais e centavos a ser desdobrado por extenso na caligrafia. Levariam um susto com o “h” na frente do “um”. Achariam que a convenção é analfabetismo.
Eles não pisam em bancos, não perdem tempo com burocracia. Pagam suas contas no próprio aparelho, a partir do código de barras das faturas. É assim também com passagens, hotéis, cinema, shows.
Eu mesmo, cinquentão, já não uso um cheque há mais de vinte anos. É tudo feito no cartão de crédito. Nem notas carrego na carteira.
O ardil da vó com os netos conta com 100% de aproveitamento. O que está acontecendo é o óbvio: os cheques jamais são descontados. E a minha mãe vive presenteando e sendo carinhosa sem gastar um único tostão de sua conta.
Como os netos dispunham de trinta dias de validade para apresentação do cheque na agência, o tempo acabou expirando. As folhinhas prescreveram. Restou de presente o autógrafo simbólico da avó.
O plano deu certo até o momento, caducando as benesses de 2023 para trás. Com os próximos cheques, não será mais assim. Os bancos já se precaveram contra o “golpe da vó”.
Criaram um dispositivo dentro dos aplicativos do celular em que você pode fotografar o cheque e descontá-lo. Por essa captura de imagem, ela não esperava.
Estou curioso para saber qual será a sua próxima estratégia.