Sempre se deu um desconto nostálgico ao bullying: dizendo que ele sempre existiu, que antes predominavam gozação e deboche e ninguém reclamava, que as novas gerações são do mimimi e não suportam as adversidades da vida.
Os atenuantes partem de quem se encontra na faixa dos quarenta anos para cima e enxerga o seu tempo com a trave do saudosismo nos olhos.
Não tenho raiva desse discurso, mas compaixão por essas pessoas que amenizam a violência psicológica pregressa.
No fundo, não descobriram o quanto foram feridas. Talvez não experimentaram o socorro de uma terapia. São sobreviventes das humilhações na escola e no bairro, e não têm ideia dos traumas que levam por baixo das lembranças. Não têm noção de como suas existências seriam outras se não tivessem sofrido perseguições em sua fase de formação.
Porque a “Olívia Palito” da infância passou a sua adolescência procurando adequar seu corpo ao padrão impossível de beleza. Porque o “aeroporto de moscas” da infância amargou uma guerra desnecessária contra os seus cabelos pelo resto de sua história.
O terror começava pelos apelidos e se estendia à exclusão dos grupos sociais.
Não havia como se sentir desejado. Eu entendia que não era bem-vindo no mundo. Demorei décadas para superar o estigma de “feio”, de “débil mental” (expressão corriqueira nos anos 80), de “aberração”, de “placenta”.
Vivi querendo aprovação, vivi chamando atenção, vivi implorando por carinho. Troquei os pés pelas mãos numa carência assustadora, acreditando que seria abandonado. Exigia tanto de quem estava próximo de mim que somente enlouquecia a todos que me amavam. Não conseguia preencher as lacunas da falta de confiança.
O bullying sempre foi violento, e agora é monstruoso pelos tentáculos onipresentes das redes sociais. Nunca aconteceram tantos suicídios por fake news, nunca aconteceram tantas perdas por exposição imprópria de nudes nos grupos de WhatsApp, especialmente de ex-namorados querendo se vingar pelo término do relacionamento.
Finalmente, o bullying virou crime. Então, que ninguém mais fale que é exagero. É caso de saúde pública, de epidemia, muito além dos muros das escolas.
Nova legislação que trata da proteção à criança e ao adolescente foi aprovada no Congresso em dezembro e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira (15).
Não resolve as tensões, mas aponta um caminho de seriedade e rigor com a penalização das práticas de ódio e de discriminação.
Entre as novas regras, destaca-se a ampliação da punição em dois terços para o crime de homicídio contra menor de 14 anos em instituições de ensino. Também haverá exigência de certidões de antecedentes criminais de colaboradores que trabalhem em locais onde são desenvolvidas atividades com crianças e adolescentes.
A lei estabelece ainda cinco anos de prisão para responsáveis por comunidade ou rede virtual em que seja induzido suicídio ou automutilação de menor de 18 anos ou de pessoa com capacidade reduzida de resistência.
Atinge autores de cyberbullying, aplicando prisão de dois a quatro anos para casos praticados em ambiente digital. Ou seja, não serão mais admitidas intimidação e humilhação realizadas sistematicamente contra alguém, mediante violência física ou psicológica, de forma verbal, moral, sexual, social, psicológica, física, material ou virtual.
Os crimes da minha época já estão prescritos, mas minhas dores não. Como as de milhões de anônimos que, como eu, estudaram subjugados, temendo a sala de aula ou a multidão de colegas no recreio.
Quem bate esquece, quem apanha jamais.