Podemos constatar que uma mulher está disposta a morar junto e somar os trapos quando ela leva o secador de cabelo para a casa do namorado.
Nem chegar com um jogo de malas produziria tamanha convicção. Nem as prateleiras preenchidas com as roupas dela no seu armário garantiriam tamanha certeza.
O secador é o último item para consumar uma mudança espiritual. Mais do que um frete físico, é o princípio do casamento.
Pois ela não aguenta mais sair de cabelos molhados para o trabalho quando dorme em sua casa. Desistiu de improvisar. Desistiu de passar aperto. Desistiu de fingir despojamento. Desistiu de ficar gripada.
Da mesma forma, é possível antever que o namoro irá engatar, que a relação caminha para a estabilidade, que a mulher está verdadeiramente a fim de você, quando ela empresta o seu carro.
A chave do carro é a aliança do namoro. É uma demonstração de que ela confia em você. Encerrou-se o seu estágio probatório, a perspectiva é pela efetivação.
Ela não costuma transferir o domínio para qualquer um. Até porque o carro é uma extensão da sua personalidade, da sua bolsa, da sua bagunça existencial. Não colocaria alguém dentro de um ambiente de total intimidade se não houvesse reciprocidade. Com um pé atrás, com o freio de mão puxado, jamais realizaria a concessão, evitaria que fuçasse o porta-luvas e descobrisse parte dos seus segredos.
O gesto talvez comece despretensiosamente numa festa, em que ela pede para você voltar na direção por cansaço ou por não desfrutar de sobriedade.
Logo raciocinei: dividir o carro já é dividir a vida.
Sem perceber, você não é mais carona daquela parceria. Eis o primeiro experimento da união. Tornam-se uma equipe, um bebe e o outro dirige.
Depois, ao comprovar a correspondência nas expectativas da responsabilidade, ela parte para o segundo estágio: ceder o volante longe da própria presença, desejando que você tenha mais conforto para comparecer a algum compromisso.
— Vai no meu carro!
Lembro que, após um mês saindo comigo, Beatriz fez questão que eu usasse seu automóvel.
— Não vou precisar — ela insistiu.
Naquele momento eu vi que tínhamos futuro. Representou um gesto de grande respeito, uma amostra da nossa cumplicidade. Logo raciocinei: dividir o carro já é dividir a vida.
Pena que o Punto dela morreu numa ladeira. A embreagem emperrou. Foi aquele escarcéu de parar o trânsito, suar frio com as buzinadas atrás de mim, localizar o triângulo no porta-malas cheio de cadeiras de praia e guarda-sóis, chamar o seguro e o reboque.
Ela até hoje supõe que eu estraguei a sua embreagem com os meus pés pesados. Não acredita que se tratou de uma casualidade infeliz.
Nosso romance vingou, mas nunca mais andei no carro dela. Sequer sou chamado para estacionar.