Confesso que fui eu. Tinha a mania de mascar chiclete e colocar a sua massinha gasta debaixo da mesa da sala de aula.
Erguia um pujante cemitério durante os meus oito anos do primeiro grau. A mesinha de fórmica verde jamais quebraria pela superfície de apoio que eu criei no seu forro.
Eu me voluntario a um trabalho assistencial de raspagem de classe. É um pecado que carrego da infância. Assim como pichadores são obrigados a pintar muros, assumiria a tarefa de lixar a mesa. Nada mais justo para sanar a minha insubordinação secreta, ainda que o meu crime tenha prescrito.
Assim como pichadores são obrigados a pintar muros, assumiria a tarefa de lixar a mesa.
A escola Imperatriz Leopoldina do bairro Petrópolis pode me convocar. Com a maturidade, há minha predisposição para corrigir os erros do passado.
Mas apenas aceito fazer a limpeza se o chiclete for meu, com comprovação do DNA.
Larguei o vício. Sou hoje um voyeur do chiclete.
Tenho até uma cisma. Sempre que sou atendido num mercado ou lancheria e vejo o funcionário mascando bovinamente um chicle, a minha vontade é perguntar: há quanto tempo está com ele na boca?
Só não faço para não parecer louco.
Mas há pessoas que ficam o dia inteiro mascando a mesma goma. Jamais compreenderei como conseguem. Eu ficava ansioso assim que acabava o sabor. Precisava me desfazer ou me valer de nova pastilha em seguida. Não aguentava aquele gosto de pneu. Não que eu tenha mordido um pneu em algum momento da vida para saber disso. A intuição serve como experiência.
Não suportava nem metade de um chiclete quando a esposa queria dividir comigo, uma ninharia para o paladar, já vinha sem aroma.
Esses mastigadores inveterados devem ter um superpoder com alto grau de resiliência emocional e propensão a permanecer num relacionamento ou num emprego por décadas a fio.
Não jogam fora nunca o chiclete, escondendo-o debaixo da língua como se ali houvesse magicamente uma gaveta com trinco.
Almoçam, jantam, bebem água e seguem com ele, não diminuindo a motricidade constante dos dentes. Beijam alguém, namoram e não se livram dele. Às vezes, põem no guardanapo para logo reavê-lo, fingindo que é uma novidade.
Eu investigo, investigo o assunto e não chego a nenhuma conclusão.
Extraordinário de verdade, fora da curva, é o ex-zagueiro colorado Índio, beque de raiz, varzeano, desprovido de nojo, carrapato de centroavante, reconhecido por fungar no cangote do atacante rival na pequena área.
Não somente era capaz de passar partidas inteiras se valendo de um solitário chiclete, como também roubava o chiclete usado dos outros para mascar o resto do resto.
O ex-jogador Aloísio Chulapa entrou no rol de suas vítimas.
Num clássico aguerrido entre Inter e São Paulo, Índio o encarou e pegou o chiclete dele já amargo, todo duro. Chulapa ficou assustado com a loucura do gesto. De psicológico abalado, não fez mais nada durante o jogo, com medo de se aproximar do gol.