Jurei que iria morrer na manhã de terça-feira (3). Já estava indo para uma emergência logo cedo. Concluí o meu comentário na Rádio Gaúcha controlando o nervosismo da voz. Acho que o apresentador Antonio Carlos Macedo não chegou a notar. Dissimulei bem a ansiedade.
É que eu havia urinado Pinho Sol, detergente cor de sangue e mercúrio, a ponto de pintar a privada. Aquilo não era normal, parecia tinta. Pensei que meu rim mandava um sinal desesperado de socorro. Encontrava-se nas últimas condições de desamparo.
Estava pronto para sair de casa. Não iria acordar a esposa para não criar pânico. Avisaria do que se tratava depois de ser atendido. Dois desesperados juntos jamais se ajudam.
Foi quando tentei represar o pânico respirando fundo e revisando os atos das minhas últimas horas. Talvez tivesse perdido uma cena importante da minha narrativa. Só faltou rezar ave-maria para reavê-la na memória.
O que eu comi de noite? Lombo no forno e arroz. Nada da minha alimentação produziria tal arco-íris em meu corpo.
Lembrei, então, que tomei remédio de refluxo de madrugada. Sabe quando você não quer abrir os olhos direito para não perder o sono? Eu caminhei como um sonâmbulo até a cozinha, peguei um comprimido da cartela e engoli com um gole d’água. Fechei a janela porque ventava muito. Foi isso.
Pesquisei na internet o Peridal, recomendado pela minha nutróloga para crises de azia, e não constatei qualquer efeito colateral capaz de mudar a coloração da urina.
Decidi mexer na estante de remédios. A faxineira tinha organizado, a meu pedido, na tarde anterior, aquele espaço desordenado de caixinhas. Localizei uma cartela de Pyridium, que usei há cinco anos para conter uma infecção urinária. Ela apareceu de repente ali. Estava perdida numa gaveta e a faxineira reuniu os medicamentos num único lugar.
O que me levou a crer que apenas vi o “P” do rótulo, meio que dormindo, e tomei o remédio por engano.
Liguei para Bruno, meu amigo médico, e ele reforçou a tese. A tinta sairia dentro de 24 horas. Vi que não iria morrer, apenas estava velho e caduco, ingerindo o que não devia por pressa e falta de óculos.
Eu fiquei tão feliz com a minha vida devolvida que levei café da manhã para Beatriz na cama. Cobri a bandeja de frutas, ovos mexidos e pães quentinhos com geleia.
Ela não entendeu coisa alguma da minha aparição romântica de surpresa. Não existia nenhuma data comemorativa para justificar aquele banquete.
Às vezes, nossa felicidade se resume a estarmos vivos. Por isso, o bordão “importante é ter saúde, do resto a gente corre atrás” faz tanto sentido.