Quando jovem, o que eu mais fazia na véspera do Ano-Novo era frequentar uma agência dos Correios.
Seguia a tradição de enviar cartões para os amigos e familiares distantes desejando saúde e prosperidade.
Comprava aquela folha pontilhada, que dobrávamos para transformá-la em envelope. Ficava mais em conta.
Com WhatsApp e redes sociais instantâneas, deixamos de escrever cartas uns para os outros na mudança do calendário. Há agora as mensagens coletivas digitais, disparadas para um mundaréu de contatos ao mesmo tempo, sem o nome do destinatário e o capricho da letra. Quem recebe é mais um entre muitos.
Eu sinto falta do maço de felicitações e homenagens do dia 31, de rasgar o papel com cuidado para não violar o conteúdo, de guardar os selos, de colecionar as lembranças.
Deveríamos recuperar o artesanato da escrita. Porque existe a depressão desse período. Porque existe a angústia da transformação e das expectativas. Porque existe uma lista de frustrações antes da lista de intenções. Porque existe gente sem família e sem amigos precisando de nosso recado. Não se fie no contentamento geral. Réveillon não é sempre sorrisos.
Há pessoas que perderam um ente querido e se veem com a saudade gritando nos porta-retratos. Há pessoas que se separaram e passarão o final de semana sem a guarda dos filhos. Há pessoas que faliram e estão endividadas. Há pessoas que sofreram bullying ou foram canceladas pelos colegas e não acreditam mais no poder do afeto. Há pessoas sequeladas pelos efeitos da covid-19.
É no intervalo entre o Natal e o Ano-Novo que a solidão é mais perigosa, porque há uma exigência para estar acompanhado.
Alguém pode achar, diante do transe coletivo de celebração, diante dos posts animados de brindes, que só ele é triste, que só ele tem defeitos, problemas e crises.
A saudade tem o poder de acabar com a exclusividade do sofrimento. Mesmo que não traga a presença, revela a sua vontade do reencontro, assegura um futuro para mais adiante.
Aquele que está desmotivado e angustiado quer ser lembrado. Lembrar-se da existência é o suficiente para tirar uma alma do limbo, para oferecer um corrimão no precipício.
Não parta do princípio de que todos estão bem e satisfeitos. As aparências enganam, e a infelicidade é sigilosa.
Não deixe nenhum amigo sem o seu recado. Seja o carteiro da esperança.
Escreva algo pessoal, recorde um fato em comum, evoque a gratidão de uma parceria ou de uma época menos difícil, empreste a sua fé que anda sobrando, importe-se com quem já passou pela sua história.
Mais do que virar a página, celebrar o Ano-Novo é resgatar o nosso passado, destacar quem esteve próximo um dia, valorizar quem nos apoiou.
O silêncio não ajuda quem vem se sentindo incomunicável, o silêncio é água do mar para quem morre de sede.
Um alfinete de solidariedade é capaz de romper a bolha da tristeza e do desamparo.
Você apenas levará alguns minutos para escrever e poderá garantir anos de resiliência emocional ao outro.
Uma carta é uma vida salva.