Nosso “né” porto-alegrense é ponto final na conversa. Significa que terminamos o assunto. Não é uma pergunta.
— Tu vai gostar do mondongo do Batalha Naval, né.
Não dependemos de uma resposta. Quem é de fora, no entanto, pensa que estamos querendo conversar, continuar o papo. Entende como uma interrogação e logo emenda:
— O que tem de diferente na dobradinha?
Aquilo que era para ser um diálogo trivial e rápido se prolonga infinitamente. Culpa do atrevido “né”.
Você dá uma informação e o “né” surge como uma réplica.
Porto-alegrense é loquaz mesmo quando não quer se estender.
Não percebemos a força do nosso sotaque. Achamos que ele é suave. Achamos que ele é inofensivo. Até que alguém nos imita e não temos mais argumentos.
O avesso é o nosso lado certo. “Pior” é melhor e “capaz” é acreditar no improvável.
Talvez seja a pronúncia mais carregada do país. Falamos gritado. Como se o interlocutor estivesse sempre distante, mesmo quando está perto.
Existe o costume de abreviar tudo de que se gosta. Repare o quanto porto-alegrense só reduz a palavra quando tem apego por algo: “fíndi”, “churras”, “super”, “níver”, “chimas”, “grenal”, “refri”, “ceva”.
Demonstra que aprecia uma atividade pelo encurtamento dos vocábulos. Lagarteia a boca. Relaxa.
Se ele não gosta de um evento, usa o termo completo. Denuncia a sua contrariedade com a pronúncia na íntegra e devagar.
Quando ouvir um porto-alegrense soletrando, saiba que ele se encontra furioso, à beira de um ataque de nervos.
Felizes, somos rápidos. Irritados, somos câmera lenta, quase debochando.
Tanto que empregamos o advérbio “tri” para expressar a nossa motivação. É uma baita vontade de fazer algo ou estar presente: “tri bom”, “tri gostoso”, “tri a fim” e “tri afu”.
Temos ainda uma mania de banhado quando concordamos com uma opinião. Dizer sim aqui é “ã rã”. É uma chuva bíblica de rãs quando existe a rara unanimidade.
A falta de concordância também é um defeito convertido em virtude para identificar correligionários bairristas. É uma caipirice voluntária da nossa comunicação urbana.
Você não comenta que vai lavar os braços depois de trocar o pneu do carro, mas lavar “os braço”.
A confirmação da presença numa festa igualmente não passaria no Enem: “tu vai ir?”.
Aliás, nossa escola de afeto é da provocação. Amamos pegando no pé, muito mais do que dando a mão.
“Vadio”, por exemplo, não é ofensa. Amigos se cumprimentam na rua deste jeito: “e aí, vadio?”.
Um turista pode imaginar que vem testemunhando uma briga, um entrevero, o maior arranca-rabo.
Gurias interagem umas com outras com “sua louca” ou “sua vaca”. Tampouco é difamação, mas muita intimidade.
O avesso é o nosso lado certo. “Pior” é melhor e “capaz” é acreditar no improvável.
Nada a ver é tudo a ver, né.