Ter fome é ter saúde.
É o nosso regulador emocional, nossa régua de ânimo, nosso indício da vontade de viver.
Toda crise séria de tristeza envolve a perda de apetite. Você não sente vontade nenhuma de estar à mesa ou de celebrar os sabores da existência.
O primeiro órgão a ser atingido pela depressão é o estômago. Só depois o coração é golpeado pela indiferença e pela neutralidade.
Enquanto há gula, há esperança.
Tudo passa a apresentar o mesmo gosto, e não vigora nenhum senso de diferenciação entre os altos e baixos da rotina. O que é bom e o que é ruim se equivalem num tanto faz, num tom monocórdio, na exclusão das cores e no mergulho a uma insossa mornidão.
Tanto que a maior preocupação médica para a convalescença de um doente é que volte a comer, que retome a qualidade e a regularidade das refeições, do pastoso ao sólido.
Tanto que a prevenção materna costuma se espelhar nos quilinhos a mais. A tranquilidade da mãe vem no momento em que o filho repete o prato. Repetir é sair do básico da sobrevivência.
No meu primeiro término de um relacionamento, aquele namoro findo que julgava ser para o resto dos anos, tomado pelo fervor juvenil, eu queria morrer. Achava que jamais amaria de novo. Lembro que morava já sozinho. Escutava música alta de sofrência, chorava compulsivamente, não atendia as ligações consecutivas dos amigos, acumulava sachês de mostarda e catchup na geladeira vazia, demonstrava um alto grau de mendicância de autoestima.
Deixava o apartamento inteiro às moscas para ficar em posição fetal, dobrado em meu corpo, abraçado a meu travesseiro predileto.
Sabe aquela hora em que você se descobre um estranho, quando o passado é uma miragem e não se vislumbra um futuro, quando suas poucas certezas desmoronam e as dúvidas não vestem o tamanho das suas roupas?
Foi quando minha mãe da italiana Guaporé, ciente da ruptura do relacionamento e da dor de cotovelo, mandou entregar um salaminho e um queijo ao meu endereço.
Abri o pacote perfumado em cima do tampo de vidro do fogão.
O olor daqueles produtos coloniais impregnou as minhas mãos. Como ninguém estava me vendo mesmo, ninguém testemunhava a minha encenação de mágoas, dei uma trégua para as lágrimas e me arrisquei a tirar uma lasquinha para provar.
Gemi de prazer. Algo mudou dentro de mim. Acabei comendo mais uma lasca, e mais uma lasca, até não sobrar mais nada.
Fui ganhando discernimento, recuperando a razão, contextualizando o problema, entendendo que ele não era tão grave e absoluto a ponto de espremer o meu sangue a um suco sem viço.
Que sofrimento amoroso era aquele que não resistia a um salaminho e a um queijo? Que crise pessoal febril era aquela que não resistia a uma tábua de frios?
A fé apenas precisa ser alimentada.