O sofrimento não pode ser apagado. A dor é prevenção e não pode desaparecer da memória.
Agora que a pandemia da covid-19 está controlada e vem se convertendo em endemia — ainda grave, mas com a estabilidade de números baixos —, precisamos de um monumento, um símbolo da vitória da ciência.
Um marco que servirá de aviso para as próximas gerações acerca do que enfrentamos, do isolamento de dois anos, do enxugamento das despesas domésticas e da penúria financeira com o comércio fechado, das demissões em massa e do home office, dos lares desfeitos pelos pêsames, das mortes apressadas sem velório e funeral, da angústia dos hospitais superlotados, do medo de ser contaminado numa breve saída de casa, dos alimentos lavados com sabão, do álcool gel para qualquer aperto de mãos, do beijo no ar, do abraço no vácuo, da separação abrupta de familiares e amigos, dos parentes contaminados e isolados no quarto, da ansiedade diante dos testes no laboratório à espera da bendita resposta de não reagente.
Daqui a um tempo, por uma questão até de autopreservação, ninguém lembrará quão grave e apocalíptico foi esse período na história da humanidade, com as ruas completamente vazias, as pessoas se comunicando pelas varandas e se visitando por chamadas de vídeo.
Representou nossa peste negra, nossa gripe espanhola.
Antes que pareça um pesadelo distante e a privação coletiva seja escondida no inconsciente do trauma, temos a responsabilidade de mostrar o quanto somos frágeis e vulneráveis, o quanto temos que nos unir além das fronteiras para superar o desafio de doenças contagiosas.
As autoridades devem se mobilizar com nossos artistas para erigir uma estátua, um patrimônio moral, com intuito de homenagear as 700 mil vítimas do coronavírus no país.
É costume assinalar data de fim de guerras entre povos. Estaremos demarcando um passo a mais nas batalhas da sobrevivência da espécie, valorizando também a luta emblemática contra pragas e vírus. Jamais havia sido criada uma vacina em menos de um ano.
Assim como existem monumentos ao soldado desconhecido, faríamos um monumento ao médico e ao enfermeiro desconhecidos, destacando o corpo clínico insone que anulou a sua vida pessoal em prol do exercício da profissão, que virou madrugadas e emendou plantões para regenerar fiapos de respiração de seus pacientes.
É ainda pouco perto de tudo o que passamos, porém é um gesto de respeito ao passado, uma forma de perpetuar a saudade dos que partiram precocemente, um lembrete da urgência de viver, para que assim nos tornemos melhores do que antes, quando não tínhamos ideia de como éramos privilegiados pelo simples fato de conviver.
Pandemia
Opinião
Um monumento ao médico e ao enfermeiro desconhecidos
As autoridades devem se mobilizar com nossos artistas para erigir uma estátua, um patrimônio moral, com intuito de homenagear as 700 mil vítimas do coronavírus no país
Fabrício Carpinejar
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