Não repasse presentes adiante. Pode virar uma maldição, um bumerangue espiritual. É mais temerário do que quebrar um espelho.
Tia Lily deu uma echarpe que ganhou da tia Naná para a tia Sueli, que ofereceu para a tia Jurema, que deu para uma colega de hidroginástica chamada Noemi, que transferiu de novo para a tia Lily depois de cinco anos. Só mudou o papel do pacote, a encomenda voltou para o berço original. Lily recebeu o mesmo presente duas vezes de pessoas diferentes. Era para ser dela mesmo.
Ela desencadeou uma ciranda de desvalia, uma caravana da ingratidão, um carma da suspeita. Não teve como fugir do seu destino, da corda no seu pescoço que era aquela echarpe marrom.
Nem correspondia a um presente de segunda mão, mas já de quarta mão, veterano no descarte.
Há um grande risco de o mimo empreender uma volta ao mundo e retornar ao seu início, já que ninguém o deseja.
Aposto que uma história parecida aconteceu com alguém que você conhece.
Uma vez preterido, o destino do regalo costuma se repetir.
Não que a peça seja feia, imprópria, inadequada. É que a recusa impregna a alma do objeto, formando uma eletricidade do mal. O presente carrega a energia da rejeição.
Você toca nele e observa que tem algo errado, que não foi feito para você, que é um agrado forçado, como um uísque batizado. Não tem nenhuma conexão com o seu momento. Na verdade, você percebe o arranjo improvisado, o durex solto, a etiqueta sem cola, a fita lânguida.
Quem dá sorri amarelo, não olha nos olhos, já chega constrangido, com a pressa de virar as costas e mudar de assunto. Nem quer que a pessoa abra o embrulho na sua frente.
Melhor seria adquirir uma lembrança inédita em um posto de gasolina ou farmácia.
Não ficará com o presente? Troque imediatamente. Não invente de forçar convergências, ou ter compaixão, ou se salvar de gastos futuros. A avareza vai lhe custar a paz de espírito.
Por pretensa polidez, perderá a confiança dos aniversariantes. Por embaraçosa educação, terá um brechó em seus armários.
É um empurra-empurra em que você acaba caindo.
Uma saída é dizer a verdade: “recebi e não gostei, te interessa?” E, de preferência, fora da celebração da idade e de qualquer homenagem. Promova a adoção consciente e interrompa a corrente de desinformação.
Deveria existir um teste de DNA dos presentes. Descobriríamos que muitos não vieram das lojas.