Arnaldo Jabor não precisará mais telefonar para Nelson Rodrigues. Poderá conversar eternamente frente a frente e rir dos absurdos da vida. Emendarão as sobrancelhas no cinismo.
Dois gigantes se encontram hoje no terreno baldio do céu. As cabras vadias serão soltas para pastar livremente nos campos do Senhor.
Jabor partiu aos 81 anos, após sofrer um acidente vascular cerebral. Leva um Rio de Janeiro que não existe mais, um cinema que não existe mais, uma doçura selvagem que não existe mais.
Não haverá mais entrevistas imaginárias, diálogos psicografados. As palavras serão tão reais entre Jabor e Nelson que dispensarão até o uso da voz.
Sentiremos a ausência de Jabor tanto quanto sentimos a sua presença. A saudade será igualmente transgressora: pele da poesia.
Jabor não foi amado pelos bons modos, pelo terno e gravata do noticiário, pela voz tonitruante, mas pelo mistério de suas palavras, pelas torções de seu pensamento, pelo tormento que provocava, pela dialética de sua lábia.
Seria um homem exagerado se não morasse no Brasil. Aqui, com todos os nossos extremos de penúria, era exato, essencial, fundamental.
Ele nos ensinou a ter menos medo de falar, de comparar, de generalizar, de conceituar, seja com a câmera na mão, seja com os dedos no teclado, seja com o microfone na lapela.
Seguiu a sua história definindo o indefinível. Como todo dicionário, jamais estava pronto.
Viveu um grande amor com a verdade, tornou-se amante da verdade, sofreu quando a verdade ia embora e esvaziava os cabides do armário, suplicou pelo retorno da verdade. Porém, não se omitiu como uma planta, fincado no mesmo lugar, muito menos aceitou ser arrastado pelos uivos da mediocridade.
Ele não se ignorou, mudou sempre que necessário, errou e acertou com coragem, nunca escondendo a sua loucura.
O tempo para ser feliz é curto, os instantes não voltam, adeus Jabor, nosso enigma indecifrável.