Não há como ser mãe e pai ao mesmo tempo. É um desejo bonito, mas não um fato. Termina sendo uma sobrecarga que não permitirá a vida pessoal. Não sobrará tempo para exercer a individualidade.
Sei de mãe que tenta melhorar o pai ausente, mas talvez seja necessário não fingir que ele existe, aceitar a lacuna, não inventar sentimentos pelo outro, não forjar contextos para diminuir a angústia de seu pequeno.
Se ele não liga no aniversário do filho, não psicografe cartões, não mande presente no lugar dele. Não escreva cartas com assinatura falsa. Não conte histórias para justificar o dolorido esquecimento.
É melhor uma ausência honesta do que uma presença fantasmagórica. Estará perdendo o seu patrimônio mais valioso: a sinceridade. E para proteger uma pessoa adulta que deveria ter responsabilidade.
Vale assumir o risco? Não. Depois, no futuro, quando o filho descobrir que aquele pai preocupado era imaginário, você, que se manteve sempre amorosamente por perto, é que receberá todas as cobranças por não ter dito a verdade. Ainda estragará a sua própria relação com o filho em nome de quem nunca esteve presente.
Os xingamentos virão pela quebra de lealdade. Porque o filho já esperava o pior do pai, mas nunca de você.
As fantasias apresentam um benefício provisório, perigoso, a curto prazo. Você se aproveita delas para não se incomodar num momento, mas vai gerar constrangimentos desastrosos mais adiante na fixação dos arquétipos.
Se o pai não mudar o comportamento relapso ao longo da convivência, a sua narrativa de contos de fadas se desfará e será você quem pagará a conta da frustração.
Ao construir uma fantasia para prevenir feridas, esquece que terá o trabalho dobrado de desinfetar a idealização e explicar as suas boas intenções.
Siga a rotina com o que tem, com os personagens de carne e osso em casa. Não amarre no pescoço a capa de superproteção para alguém que não merece, que não aceitou a paternidade ou não coloca o seu rebento como prioridade.
Não existe sofrimento maior do que torturar a esperança de uma criança. São os maus-tratos espirituais. Ela termina confusa, insegura, medrosa, não entendendo o que acontece por completo, não conseguindo encaixar as peças do quebra-cabeça familiar, percebendo pontos falhos e omissões.
Não minta pelo pai que não busca o filho na escola, até você receber um telefonema de resgate da secretaria; não minta pelo pai que esquece completamente a formatura anual do filho e alega que estava com muito trabalho; não minta pelo pai que combina o final de semana com o filho e desaparece, sem dar notícias, para reaparecer numa data aleatória, como se não fosse nada; não minta pelo pai que não tem tempo de tirar férias com o filho, mas não para de postar fotos com a sua namorada em alguma praia paradisíaca; não minta pelo pai que atrasa a pensão, confundindo-a com um favor.
Já chega a proeza de ser mãe sozinha.