Durante a minha adolescência, fui sustentado por uma mulher. Aliás, por duas mulheres. A minha mãe me garantia a higiene e a irmã me bancava a perfumaria. Ambas se completavam.
Sou filhinho da mamãe e da irmãzinha. Pode anotar. Não tenho vergonha do meu passado dependente.
Os pais já tinham se divorciado e as vozes femininas reinavam em casa. Os três meninos só obedeciam à mãe ou só transgrediam com Carla, situação e oposição que permanecem até hoje na composição das forças familiares.
Quando eu precisava de uma calça mais bonita ou camisa mais vistosa, recorria aos préstimos da irmã. Com a mãe, nem adiantava negociar – toda a sua conversa girava sobre economizar e agradecer o que existia nas gavetas e na mesa.
Por ela, eu iria para as festas da turma com o uniforme escolar, Kichute e cheirando a sabonete Lux. Só pegaria resfriado.
Quem me salvava dos micos era Carla, que entendia os dilemas da idade e da aceitação social. Sem ela, posso garantir que a minha vida amorosa ficaria estagnada até os 21 anos. Se eu arrumei namorada antes, ela agiu como cupido, madrinha, conselheira.
Ainda mais para um jovem esquisito, espinhento e mal diagramado como eu. Dependia de um mínimo de produção para me igualar aos piores.
Eu tirava proveito do olfato para me aproximar das meninas. Meu propósito de guerrilha consistia em que esquecessem o meu rosto pelo meu perfume.
Terminava amado mais pelo cheiro do que pelo olhar. Amor à primeira vista não acontecia comigo, mas amor à primeira fungada. Sou muito mais cangote do que rosto.
As colegas desconheciam a origem do feitiço, que decorria das loções emprestadas da irmã. Ou melhor, roubadas.
Metrossexual precoce, fazia questão de tomar banho em seu banheiro, para me esbaldar em xampus, condicionadores e cremes.
Como não queria que ela me censurasse ou tivesse prejuízo, eu enchia o que usava com água. Ela foi notando que os frascos já contavam com espuma dentro. Já vinham com espuma. Ao abrir as tampas, saíam bolhas.
Ela possuía motivos suficientes para me repreender e deixar de me dirigir a palavra. Havia desvendado o mistério ao pôr uma régua escolar ao lado dos potes, numa clara delação dos furtos. Entendi o recado. Ninguém coloca uma régua no box gratuitamente.
Em vez de brigar comigo, socorreu os meus caprichos da insegurança. Empenhou parte da sua módica mesada para me presentear com um kit contendo os produtos gêmeos que ela empregava em seus cabelos secos.
Assim completei o meu primeiro armarinho pessoal.
Com o tempo, eu fiquei careca. Mas ela não tem culpa nenhuma disso. Jamais se vingou de mim.
Amor é também dar o que não é necessário.