Ser jornalista em veículo de comunicação tem seus encantos, na mesma proporção dos seus perrengues e angústias. É bom acordar e não saber que temas vão te surpreender. Ao mesmo tempo estudar pautas que já estão se desenrolando nos últimos dias e que estão ali para ser explicadas à audiência. Os fatos se impõem. Simplesmente acontecem e precisam ser contados. A notícia não é escolhida, ela escolhe. Na Rádio Gaúcha planejamos programas que nem sempre vão ao ar como foram pensados, já que somos regidos pelo breaking news, aquilo que está acontecendo naquela hora. De certa forma somos preparados para encarar o imprevisto.
Um dos meus piores dias de trabalho foi chegar, ainda sonolenta, e receber a informação de que Fernandão havia morrido em um acidente aéreo. Encontrei aqui o e-mail do colega Silvio Benfica às 5h57, enquanto eu e o Leandro Staudt estávamos no ar com o Gaúcha Hoje naquele sábado, 10 anos atrás. Atônitos e tristes, cumprimos nosso expediente. Lembro de começar a chorar compulsivamente assim que bati meu crachá, ao fim do turno. Somos pessoas, afinal de contas.
Enchente, incêndios, pandemia, mortes no trânsito, acidentes aéreos, grandes feitos, jogos espetaculares, festas. É nosso trabalho cobrir e contar, de forma ética, o que é notícia, seja a considerada boa ou a muito ruim. O que ninguém está preparado é para enfrentar a desumanidade. Nunca vou esquecer dos gritos do menino Bernardo gravados em vídeo e das imagens daquela criança sofrida. Depois dele vieram tantos outros. Recentemente falávamos da menina encontrada em uma lixeira em Guaíba. Da guriazinha morta a facadas pela mãe em Novo Hamburgo. Das mulheres assassinadas pelos maridos ou ex-namorados que se acham donos da vida delas.
Na última quarta-feira acordamos com o caso mais cruel e que jamais imaginei, nem em filme de terror. Uma mulher que atrai e mata a vizinha grávida para roubar um bebê prestes a nascer, que também é assassinado. Ela cria uma história em cima disso e planeja o crime. No mesmo dia, uma mãe é presa em Igrejinha suspeita de envenenar as próprias filhas gêmeas, de seis anos, que morreram em um intervalo de uma semana. No Paraná, uma criança de nove anos matou 23 animais de pequeno porte que ficavam em uma fazendinha inaugurada no dia das crianças. Há poucos dias um frentista de posto foi morto após uma discussão banal sobre uso do banheiro em Porto Alegre. Tudo isso coloca a vida como algo sem valor. Como se fossemos selvagens.
A surpresa ruim vem por todos os lados. Da mãe que deveria proteger suas filhas ao menino que, na inocência da infância, é flagrado chutando os bichinhos. Crimes bárbaros sempre ocorreram, mas desumanidades como essas doem na alma e nos deixam sem palavras.