O surfe brasileiro começa nesta semana, no Rio Grande do Sul, sua divisão principal dos circuitos da Confederação Brasileira de Surf (CBSurf). A partir de quarta-feira (12) e até o dia 19, nas ondas da Plataforma de Atlântida, no balneário de Xangri-lá, será disputada a etapa de abertura do Dream Tour.
A competição deveria ter começado já nesta terça, mas teve seu início adiado para solucionar problemas tecnológicos e, dessa forma, os surfistas ganharam mais um dia livre para treinar.
Bicampeão mundial do World Qualifying Series (WQS), o catarinense Teco Padaratz é o presidente da CBSurf. Em entrevista ao programa Gaúcha 2024, da Rádio Gaúcha, ele falou sobre o Dream Tour e o futuro do surfe brasileiro.
Porque Dream Tour?
O nome Dream Tour descreve o que nós sempre sonhamos que o nosso circuito nacional fosse. No passado, o circuito era muito forte, na época em que eu ainda competia, e eu pude usufruir disso, me fortalecendo para partir para conquistas mundiais que tive na carreira. A gente recuperou o prestígio do circuito nacional e colocamos algumas coisas. O Dream Tour começa no Rio Grande do Sul, em Xangri-lá. É o começo de um sonho porque é a maior premiação da história do mundo em um circuito nacional, que paga mais do que os eventos internacionais do Brasil, com exceção da etapa da WSL, em Saquarema. Estamos buscando os lugares mais alucinantes de ondas no Brasil. O Dream Tour terá uma certa itinerância em algumas etapas, não em todas, porque tem aquelas que são clássicas, como a Praia Mole em Florianópolis, a Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, que são lugares emblemáticos. Estamos lutando para ter uma etapa em Ubatuba, no litoral de São Paulo, onde aconteceram os primeiros campeonatos do Brasil.
E o que vocês pretendem ter como atrações ?
Será um tour (circuito) que vai entregar uma série de coisas que nós sempre sonhamos, como premiação igualitária entre homens e mulheres, uma mídia que faça diferença, com transmissão de tv a partir das quartas de final, ações na praia que atendam o atleta e o público, envolvendo gastronomia, música. Na etapa do Rio de Janeiro, nós planejamos realizar um Festival de Cinema de Surfe na praia. Quando encerram as competições, no final da tarde, é um momento propício para colocar num telão filmes que contam a história do surfe para o público em geral. A ideia é procurar um engajamento com a sociedade, já que hoje o surfe tem essa entrada. Nós (lá atrás), tivemos que quebrar essa porta (barreira). Eu passei muito por isso na minha época.
A importância de percorrer o Brasil, ser itinerante, é para popularizar ainda mais o esporte?
Existem vários motivos que nos levaram a essa decisão. O primeiro deles é a descentralização do surfe no Brasil. É preciso reacender a chama desse esporte (surfe) em vários lugares onde ela apagou. Um deles é exatamente o Rio Grande do Sul, onde tivemos grandes campeonatos, grandes ídolos, até internacionais. Só que esse hiato de grandes competições, nos últimos 10, 15 anos, fez com que hoje não tenhamos uma gaúcho na elite do surfe nacional. Olha o prejuízo que causa não investir no esporte em uma área que tem um potencial enorme. A maior quantidade de público da modalidade está no Rio Grande so Sul, que acompanha o surfe. São os gaúchos os que mais seguem o surfe. Nós (CBSurfe) já fizemos esta estatística. A indústria do surfe traz esses números pra nós. Onde vende mais camiseta, calção e prancha de surfe é no Rio Grande do Sul. Então, temos que respeitar muito essa comunidade (do surfe), que é grande no Estado.
Os gaúchos são os que mais seguem o surfe
TECO PADARATZ
Presidente da CBSurf
Premiação igualitária e incentivo ao crescimento da modalidade são os grandes objetivos ?
No Dream Tour, nós teremos 64 homens e 24 mulheres. Mas não é porque nós queremos. É porque não tem competidoras femininas em número suficiente para construir um campeonato maior na categoria. Então, temos que investir. Estamos com um programa de desenvolvimento de surfe feminino, que chamamos de camping reverso. Ao invés montarmos um camping na Praia Mole, subsede da CBSurfe, e trazermos as meninas, nós vamos até os Estados dar o nosso curso pra estimular meninas de 14 anos a se tornarem competidoras. Porque se você entrar na água para surfar, esse número (pequeno) não se reflete. Nós temos um número bem maior de mulheres praticando do que o que é colocado nos campeonatos. Mulheres surfando tem um monte, mas competindo tem poucas. E esse é o nosso trabalho, de estimular essas meninas em pensar no futuro (como surfistas profissionais). No Dream Tour, nós vamos pagar para o primeiro lugar de cada etapa, R$ 40 mil. No ano passado, a Silvana Lima, entre divisão principal (Dream Tour) e divisão de acesso (Taça Brasil), com seis etapas em cada circuito, correu os dois e chegou perto de R$ 200 mil em prêmios. E isso se reflete no atleta. Dos nossos 64 atletas, 12 estavam dirigindo Uber nos últimos anos, porque não tinham competição.
A importância de uma visibilidade muito grande para o surfe hoje em dia, com campeonatos ao vivo. Como você avalia essa transformação da sua época de atleta para o momento atual?
Se eu fosse categórico. Se quisesse responder com apenas uma expressão, eu diria Brazilian Storm (tempestade brasileira). Efeito Gabriel Medina. Se você pegar os seguidores do Medina no Instagram, são cerca de 12 milhões. Se você pegar o John John Florence, o Kelly Slater, o Ítalo Ferreira, o Filipe Toledo e até a WSL (World Surf League), você junta tudo e não chega a 12 milhões. Essa é a diferença que faz o Gabriel Medina. O Ítalo Ferreira faz contratos milionários não é só porque ele é campeão olímpico e mundial. E se ele está ganhando esse dinheiro, o Gabriel está ganhando muito mais. Ele é ponta de lança. Ele elevou a régua. E não é só ele. Ele foi acompanhado por uma geração muito boa de surfistas, e quando ele não ganhava, outro vencia. E nos últimos oito anos, nós temos seis títulos mundiais. É um dado expressivo. Nenhum outro país teve essa hegemonia. A Austrália não conseguiu fazer 11 finais seguidas e ganhar 10. O Brasil está vivendo. Nem no mais alucinante dos meus sonhos eu imaginei isso. O Medina é um fenômeno. E isso aconteceu com o Ítalo (Ferreira), o Filipe Toledo, o Adriano de Souza, o Yago Dora, o João Chianca, que é o brasileiro do momento. Ele está num momento físico e técnico em qualquer onda. Ele parece que conversa com o mar. Ele dorme pensando e acorda querendo. E isso faz a diferença.
Adriano de Souza e Silvana Lima no Dream Tour, o que isso representa ?
Eles são os mais expressivos, mas tem outros nomes. Ao mesmo tempo é uma honra e uma responsabilidade. É mais responsabilidade do que mérito encarar a liderança de uma entidade que produz esses atletas. Porque essa é a finalidade da CBSurf, produzir campeões e desenvolver o esporte. O desenvolvimento é uma ferramenta que se usa para produzir campeões. Hoje, temos o parasurfing, que é um fenômeno. Ano passado, ele teve mais engajamento e retorno de mídia que qualquer etapa do circuito brasileiro de primeira divisão. Você não acredita como eles são capazes de fazer (surfar). O parasurfing tem alta performance, inclusão e lado social. É mágico. Falta ser reconhecido na nova lei do esporte como esporte. Assim, o surfe adaptado poderá ser reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) para entrar nos Jogos Paralímpicos de Los Angeles em 2028.