Nos últimos dias, o produtor rural Ari Morari, 65 anos, abre as portas dos galpões onde aloja perto de 40 mil frangos no município de Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, com aperto no peito. Associado à tradicional Languiru – sexta maior cooperativa de produção do Estado, hoje sob grave crise econômica –, ele não sabe quando vai receber pagamentos em atraso, como irá quitar suas próprias dívidas e ainda se compadece com a fome a que estão submetidos os animais.
O agravamento do cenário enfrentado pela empresa resultou na falta de matéria-prima e em interrupções no serviço de entrega de ração para os bichos, que chegam a ficar um dia inteiro sem ter o que comer. Parte dos produtores atingidos busca firmar acordos com outras companhias, mas criadores de menor porte ainda não sabem como vão conseguir manter suas propriedades.
— Quando começaram essas conversas sobre problemas financeiros, eu disse pra mim mesmo que não iria me assustar à toa. Já havia passado por outro período de crise, alguns anos atrás, sem maiores problemas. Agora, estou bastante assustado — afirma Morari, que não vislumbra como vai conseguir pagar ao banco R$ 120 mil restantes de investimentos recentes que fez em melhorias nos abrigos de aves e de suínos, enquanto espera receber R$ 60 mil em atraso da Languiru sem previsão de quando o dinheiro vai chegar.
O cenário de desalento se espalha por vários municípios da região, mas principalmente onde há concentração maior de instalações da empresa ou de associados: Teutônia, onde fica a sede administrativa; Poço das Antas, local em que foi construído o frigorífico de suínos; Westfália, onde foi instalado o frigorífico de frangos; e localidades próximas com propriedades vinculadas à cadeia de produção a exemplo de Estrela ou Cruzeiro do Sul.
Provocada por dívidas que somam R$ 1,1 bilhão, a crise da Languiru motiva ações drásticas como a venda de ativos, fechamento da unidade de suínos e redução do abate de aves de mais de cem mil animais por dia para cerca de 75 mil. A produção regional de leite, por meio de parceria com outra companhia, e de carne bovina, cujo frigorífico foi vendido, foi preservada.
O prefeito de Teutônia, Celso Forneck, afirma que o funcionamento a pleno da Languiru gera pouco mais de R$ 1 milhão em recurso de impostos para o município ao ano. Como isso representa cerca de 0,5% da receita total da prefeitura, a situação não é considerada desastrosa em termos de arrecadação. A avaliação é mais alarmante quando se analisam as consequências sobre as famílias vinculadas à cooperativa e os efeitos sobre a economia regional como um todo.
— A nossa grande preocupação é com os produtores. Muitos se endividaram com os bancos em razão da aposta de criar aviários maiores, mais modernos, ou chiqueirões de alta capacidade — diz Forneck.
No caso de Morari, já que não há mais perspectiva de enviar novos lotes para abate, os dois galpões que deveriam receber mil porcos estão vazios e sem gerar renda.
— Fiz o investimento três anos atrás. Estou tentando renegociar a dívida no banco, mas ainda não sei se vão prorrogar (os prazos). Pior é ficar com as instalações paradas — lamenta o morador de Cruzeiro do Sul, em meio às baias silenciosas.
Outras empresas de grande porte estão contratando parte dos criadores, mas nem todos se enquadram em exigências como capacidade mínima de alojamento para mil animais e requisitos sanitários. E a grande quantidade de candidatos em busca de novo acordo ao mesmo tempo dificulta que todos encontrem novo destino para seus produtos. A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Teutônia e Westfália, Liane Brackmann, afirma que há cerca de 300 produtores de suínos na região afetados pelo fechamento do frigorífico – que encerrou os abates no final de junho.
— Talvez uns 40% deles estejam conseguindo migrar ou já migraram para outra empresa, embora não queira dizer que já estejam alojando animais. Alguns estão em fila de espera, e nem todos vão conseguir ser absorvidos por empresas como JBS ou BRF — relata.
O frigorífico da Languiru mantém atualmente apenas duas dezenas de funcionários em ação para manutenção do espaço. Ali trabalhavam 600 pessoas, o equivalente a 27% da população do município de Poço das Antas, onde está localizado. A prefeita Vânia Brackmann afirma que cerca de cem desses operários residem de fato no município, sendo o restante proveniente de cidades próximas.
— Por enquanto, não há desespero porque esperamos que outra empresa assuma o frigorífico em breve. Já há negociações em andamento. É de suma importância que isso se resolva de fato — diz.
O presidente da Languiru, Paulo Birck, confirma a busca por um comprador para a unidade de suínos de Poço das Antas, reconhece que a empresa tem dívidas abertas com produtores e fornecedores, e afirma que o esforço da cooperativa é para quitar os débitos.
— A venda de ativos é justamente para colocar nossos associados e fornecedores em dia. Hoje, não temos fluxo de caixa para isso — lamenta Birck.
Entenda o caso
- Conforme o levantamento 500 Maiores do Sul, publicado pelo Grupo Amanhã no ano passado, com dados referentes a 2021, a Languiru era a sexta maior cooperativa de produção do Estado, ficando na 55ª posição entre todas as empresas listadas.
- Com sede em Teutônia, além de instalações e produtores associados em vários municípios da mesma região, no Vale do Taquari, a cooperativa que chegou a somar mais de 5 mil associados entrou em crise nos últimos meses.
- A combinação de fatores como alta de custos dos insumos, manutenção de juros elevados, estiagem e redução do poder de compra dos consumidores levou a uma dívida calculada em R$ 1,1 bilhão.
- A crise levou ao atraso de pagamentos a fornecedores e produtores associados, venda de ativos para tentar levantar recursos e medidas como redução no abate diário de aves de até 140 mil animais para cerca da metade, fechamento do frigorífico de suínos localizado em Poço das Antas, entre outras medidas. O frigorífico bovino já foi vendido, e a produção de leite foi mantida por meio de um acordo com a empresa Lactalis, reduzindo os impactos nesses setores. Algumas lojas e mercados também serão preservados.
- A estratégia inclui ainda um processo de "liquidação extrajudicial", medida adotada no início de julho, com efeito apenas transitório (sem o objetivo de extinguir a empresa) e objetivo de liberar o bloqueio de contas da cooperativa e criar um ambiente de negócios mais favorável.
- Como resultado da crise, muitos produtores associados que investiram para ampliar ou melhorar suas instalações nos últimos anos estão com dívidas em aberto e com atraso em pagamentos de lotes de animais enviados à cooperativa. A falta de recursos para adquirir matéria-prima também provocou piora na qualidade das rações dos bichos e em atrasos no envio dos alimentos.
- Pelo sistema integrado de produção, a cooperativa encaminha os animais para os produtores alojarem em suas propriedades, e se responsabiliza também pela remessa das rações. No momento, parte dos criadores de aves e de suínos busca se organizar em uma nova cooperativa ou firmar acordos com outras empresas.