Na safra em que o Estado plantou a menor área de milho desde o início das séries históricas oficiais, na década de 1970, uma modalidade de comercialização começou a ganhar terreno. A tentativa é de exatamente estancar a redução do cultivo. Grandes interessadas na disponibilidade interna de seu principal insumo, as indústrias de carnes começam a partir para a aquisição antecipada do grão de produtores, cooperativas e cerealistas, para entrega futura.
O objetivo é garantir parte do suprimento antes da colheita e, ao mesmo tempo, dar previsibilidade ao produtor, com a segurança de que a safra terá mercado e preço travado que cubra os custos e assegure algum lucro. A intenção é manter o mercado mais equilibrado, evitando extremos como os vistos nos últimos dois anos – em que os preços baixos ajudaram as indústrias, mas desestimularam agricultores, e períodos em que as cotações mais favoráveis impulsionaram exportações e sufocaram o setor de aves e suínos.
Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicam que, na safra 2017/2018, foram plantados no Rio Grande do Sul 728 mil hectares de milho, sexta retração consecutiva, 9,5% abaixo do ciclo anterior e metade de 12 anos atrás (veja na página ao lado). Com extensão cultivada menor e problemas climáticos, a produção para o Estado é calculada em 5,2 milhões de toneladas, 13% inferior à obtida no ano passado. O consumo interno é estimado em 5,5 milhões de toneladas.
O presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), Nestor Freiberger, diz que, para a indústria, caiu de vez a ficha de que era preciso se aproximar dos produtores a partir da crise de abastecimento de 2016, quando o preço da saca de milho no Estado superou a casa dos R$ 50.
Um ano atrás, o preço médio estava em R$ 32 e, agora, em torno de R$ 27, conforme a Emater (veja na página ao lado). Segundo Freiberger, a compra antecipada começou de forma incipiente na safra anterior, mas agora já chegaria a um volume entre 20% e 30% da necessidade da indústria de carnes. Algo em torno de 1,5 milhão de toneladas.
– O erro de 2016 nos serviu de lição, para saber como não fazer. Há visão de ambas as partes de que precisamos parar com essa briga de gato e rato, sentar na mesa e pensar mais no longo prazo, para que não tenhamos essas oscilações bruscas para cima e para baixo – diz Freiberger.
O presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro), Paulo Pires, também avalia que a negociação futura pode ser um instrumento importante para estancar a sangria da queda da área de milho no Rio Grande do Sul. Mais conservador, Pires acredita que o volume vendido antecipadamente seria inferior a 1 milhões de toneladas, mas confirma o avanço da modalidade, que tem o mérito de diminuir incertezas para produtores e indústria.
– Sempre pregamos isso. É o caminho – afirma Pires, que cita a disponibilidade de crédito para as empresas consumidoras comprarem milho, gerando liquidez no mercado, como alternativa complementar.
Custos cobertos e lucro garantido
A venda futura de milho não é novidade para o produtor Marcos Fridrich, de Ajuricaba, no noroeste do Estado. Esta foi a segunda safra seguida em que lançou mão da oportunidade. Desta vez, comercializou de forma antecipada 2 mil sacas, metade do que estima colher. O principal entrave da cultura, entende o agricultor, é o preço. E a variação das cotações, com cada ano uma ponta da cadeia sofrendo, acaba não sendo boa para nenhuma das partes.
– É um mecanismo que, na soja, já está mais consolidado. Gosto dessa opção porque você tem contas a pagar e pode ir travando valores para diminuir a incerteza – diz o agricultor, lembrando que a modalidade passa a ser vantajosa se garante que os custos serão cobertos e, ainda, com margem de lucro.
O preço que conseguiu, R$ 31 por saca, pareceu razoável. O valor supera o que gastou para formar a área, custo que calcula nesta safra ter ficado entre R$ 25 e R$ 27 por saca. Também está acima do mercado na região, em patamar semelhante, em torno de R$ 26.
Fridrich é outro exemplo de produtor que vem diminuindo a área de milho, cultura que mantém mais pelas vantagens agronômicas do que por esperar rentabilidade. Apesar de não ter sido afetado por falta de chuva neste ciclo, lembra que, como sua lavoura é de sequeiro, também não deve ser tão ousado na hora de se comprometer com a entrega futura do grão.
Compra antecipada ainda tem barreiras a superar
O presidente da Associação dos Produtores de Milho do Rio Grande do Sul (Apromilho-RS), Ricardo Meneghetti, também entende que a comercialização futura tem o potencial de deter a queda de área no Estado, mas aponta barreiras a serem vencidas. Uma delas é a cultura do produtor e o direcionamento do mecanismo.
Enquanto os grandes conhecem mais a ferramenta, médios e pequenos são um pouco arredios. Além disso, agricultores com maior escala têm condições de irrigar a lavoura, o que aumenta a segurança de boa safra, enquanto os demais estão sujeitos ao humor do tempo. O milho, lembra o dirigente, é mais sensível à falta de umidade do que a soja. Isso gera receio de multas e outras consequências caso não consigam entregar o contratado, ao mesmo tempo em que o produtor não dispõe de seguro que garanta a renda.
– São vários medos que os produtores têm, fazendo com que eles acreditem mais na soja que, basta levantar o dedo e em 72 horas a produção é vendida – pondera.
A aproximação de produtores e consumidores é ponto-chave para a reação da cultura no Estado, entende Valdomiro Hass, coordenador da Câmara Setorial do Milho, grupo que também tem o tema como uma das prioridades. Sem solucionar esta volatilidade dos preços, vão restar apenas os que cultivam por questão agronômica (rotação de cultura com a soja), quem obtém altas produtividades com a irrigação, adeptos da diversificação e quem planta milho para silagem. Enquanto isso, a indústria de carnes continuará tendo campo fértil para crescer apenas fora do Rio Grande do Sul.