Um ano atrás, quem reclamava era o consumidor, enquanto os preços do leite atingiam patamares recordes para os pecuaristas. Hoje, com produção em alta, pressão das importações e demanda que ainda não reage, são os produtores que rangem os dentes com o baixo retorno e se queixam de prejuízo. A instabilidade na remuneração é um dos fatores que levaram cerca de 19 mil criadores à decisão de abandonarem a atividade nos últimos dois anos no Rio Grande do Sul.
Em agosto, a indústria pagou, em valores brutos, média R$ 1,23 pelo litro, 25% abaixo do mesmo mês do ano passado, conforme acompanhamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP). Enquanto isso, no varejo do Estado o consumidor desembolsou, na última semana do mês passado, R$ 2,68 pela caixinha de longa vida, também, em média, 23% a menos do que um ano antes, de acordo com dados da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas).
Não são apenas os produtores que estão no vermelho, diz o presidente do Sindicato das Indústrias de Laticínios do Rio Grande do Sul (Sindilat), Alexandre Guerra. A conjuntura que reúne maior oferta e consumo em baixa também deixa as empresas do setor operando hoje no prejuízo.
– De abril até agora, a indústria já perdeu cerca de R$ 0,60 por litro de UHT (longa vida), de R$ 2,40 para R$ 1,80 – diz Guerra, referindo-se à média nacional da venda para o varejo.
Propriedades menores foram as mais afetadas
O dirigente observa que, além de ser período de pico de produção no Sul, Estados importantes como Minas Gerais e Goiás não tiveram a queda sazonal de captação. Ao mesmo tempo, os preços mais baixos do leite em pó importado favorecem as compras de outros países, principalmente do Uruguai. Enquanto o produto do Exterior chega a R$ 10 o quilo, as indústrias locais teriam de vender por R$ 14 para terem viabilidade, diz Guerra. Os volumes de importação até são menores este ano em relação a 2016, mas a produção nacional maior achata os preços.
O assessor de política agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag) Marcio Langer observa que, no início do ano, havia o temor de que a situação se agravasse a partir de setembro ou outubro, mas as importações começaram a alimentar as dores de cabeça a partir de julho, no momento em que a demanda interna deveria ser abastecida pela produção local.
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O resultado é desestímulo e preocupação, que se somam a problemas de autoestima criados pela imagem arranhada a partir de fraudes flagradas pela Operação Leite Compen$ado. Pesquisa apresentada pela Emater na Expointer mostrou que, este ano, o número de produtores que entregam leite para a indústria no RS ficou em 65 mil, queda de 22% em relação aos 84 mil de dois anos atrás. O problema afetou principalmente as propriedades menores.
– A sociedade nos demanda para ofertarmos produtos com qualidade e quantidade. O produtor fez investimentos em genética, sanidade, infraestrutura produtiva e alimentação para os animais. E, em função do alto investimento realizado, o custo ficou maior. O produtor fez o seu papel e agora está aflito – nota Langer.
Na busca por enxugar o mercado, a pressão agora é sobre o governo federal. Uma reivindicação é criar cotas de importação do Uruguai. Outra, para compras governamentais de 50 mil toneladas de leite em pó e 400 milhões de litros de leite UHT. A tentativa é de reequilibrar o mercado. As grandes oscilações tendem apenas a causar mais transtornos. A baixa remuneração leva produtores a diminuírem a alimentação dos animais, reduzirem rebanho ou mesmo sair da atividade, o que no próximo ciclo pode fazer o consumidor, que agora paga menos pelos lácteos, voltar a ser surpreendido com nova alta dos preços nas gôndolas.