Superado o desafio de tirar da terra o máximo que ela pode produzir, chega a hora de transformar a safra em renda. Obter o melhor índice de conversão não é uma tarefa simples e passa pelo sistema de cultivo de cada agricultor. Especialistas defendem que saber a hora certa de negociar depende menos de especulação e mais de gestão.
– O grande problema é que o produtor é emocional. O agricultor precisa ter consciência de que a atividade é um negócio – pontua o diretor da Brasoja, Antonio Sartori.
Fazer bons negócios passa também por planejar e até efetivar a comercialização com antecedência. Um dos caminhos é a venda antecipada por meio de contratos futuros, o que fixa o preço a ser recebido e organiza as receitas.
Em um ano de safra farta e preços retraídos, a estratégia de muitos produtores tem sido reter a soja. O Rio Grande do Sul iniciou maio com 33% da produção da oleaginosa comercializada, algo próximo a 5,9 milhões de toneladas. Segundo o consultor da Safras & Mercados Luiz Fernando Gutierrez, há atraso na venda em relação à média histórica de 46%.
Uma das justificativas é o preço do grão. Levantamento realizado pela Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (Fecoagro) com 10 associadas indica que o valor da saca de soja no RS em maio ficou em R$ 57,26 – 21% menor em relação a 2016. A queda da cotação é puxada pelo aumento da oferta e rendimento acima do projetado na Argentina.
Por isso, vender bem a soja requer atenção ao mercado internacional. Em Chicago, a oleaginosa até pode estar acima dos padrões de preço de 2016, mas a tendência é de baixa. As denúncias envolvendo o presidente Michel Temer elevaram a cotação da moeda norte-americana e resultaram em incremento de vendas, o que, segundo o consultor Carlos Cogo, indica retomada dos negócios.
Por outro lado, apesar do déficit logístico, as exportações mantêm ritmo acelerado. De janeiro a abril, o país exportou 23,8 milhões de toneladas de soja, sendo que 2,5 milhões de toneladas saíram do Rio Grande do Sul – volume 65,8% maior em relação a 2016. O economista da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, Antônio da Luz, explica que, apesar dos entraves logísticos, o produtor faz o possível.
– Não há como vender mais porque não temos como transportar.
Fisgados pelo aroma
Com apenas 15% da safra de soja de seus associados comercializada, a Cooperativa Mista São Luiz (Coopermil) busca alternativas para agregar valor ao produto. Apesar de a maior parte da receita vir da exportação in natura, investiu R$ 1,5 milhão na fábrica de rações de Santa Rosa. Hoje, a unidade produz 30 fórmulas, mas é a ração com aroma de frutas vermelhas que aguça o paladar de aves e suínos e engorda os lucros. Em 2015, a Coopermil processou 8% do grão armazenado, volume que saltou para 20%. O supervisor de grãos da cooperativa, Sidinei Lodi, espera receber 150 mil toneladas de soja.
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Projeto para a logística do futuro
Disposto a deixar para trás as históricas reclamações de déficit logístico que prejudicam a comercialização da safra brasileira, o produtor Caio Nemitz resolveu investir em canal direto de escoamento. Há sete anos, aceitou o desafio de reativar uma estação ferroviária existente em área que adquiriu em Alegrete. Na época, investiu recursos próprios em projeto para retomar o transporte por ferrovia e escoar a soja da vizinhança.
O projeto virou realidade em 2013 e, atualmente, recebe grão de 80 produtores. Apesar da expectativa de ampliar o uso do trem, ocorreu o contrário. Neste ano, mais de 90% da oleaginosa comercializada pela Agropecuária Nemitz terá que pegar a estrada (ver tabela). Entre os motivos da redução do volume carregado por trens está a falta de investimento na malha ferroviária do Rio Grande do Sul.
– O grande drama é ter mais vagões e locomotivas – avalia.
Além de desafogar as rodovias e facilitar o escoamento da produção, o transporte ferroviário é, em geral, 10% mais barato.
– As rodovias não comportam o aumento do volume de produtos transportados para Rio Grande.
Contratos antecipados ajudam a programar receita
Engenheiro civil em Porto Alegre, Ricardo Meneghetti deixou a vida da cidade para administrar os negócios da família em Chiapetta, na Região Noroeste. As habilidades em gestão no ramo da construção lhe ajudaram a transformar a produção de milho em um empreendimento lucrativo.
O produtor, que neste ano plantou 370 hectares de soja e 135 hectares de milho, apostou na venda antecipada da safra. Antes mesmo de colocar a semente no solo, o empresário negociou 21% da produção de milho por meio de contratos futuros com tradings.
Das 33 mil sacas colhidas, vendeu 7 mil sacas antes, sendo 5 mil aR$ 40 cada e as outras 2 mil sacas a R$ 34 cada, preço bem acima do praticado atualmente. O restante do volume está estocado na propriedade e é comercializado para criadores de aves e suínos da região. Para o mercado interno, Meneghetti já vendeu o cereal a R$ 25 a saca neste ciclo. As propostas de venda a R$ 20 foram recusadas.
– Sei o meu custo de produção, então estipulo o lucro mínimo necessário para decidir se vendo ou não a safra – explica.Além disso, o produtor aposta no alto padrão de qualidade do grão entregue para assegurar rentabilidade. Para evitar descontos no preço, faz uma peneira criteriosa do milho, que é entregue limpo e seco, livre de impurezas e sem grãos quebrados.