Enquanto no campo os produtores rurais celebram outro ciclo com boas chuvas, os pescadores artesanais de camarão na zona sul do Estado amargam mais uma safra com captura abaixo do esperado. O resultado é a escassez da iguaria nas peixarias, o que faz o consumidor pagar mais caro pelo crustáceo às vésperas da Semana Santa, quando aumenta a procura por pescados.
A relação com o volume de precipitação é direta. Com chuva abundante, a água do mar não consegue entrar na Lagoa dos Patos, onde cerca de 3 mil pescadores artesanais de municípios como Pelotas, Rio Grande, São José do Norte, São Lourenço do Sul e Tavares têm no camarão uma das principais fontes de renda.
A safra começa em 1º de fevereiro e vai até o final maio. Se a água não fica salgada, as larvas não entram na lagoa, que costuma funcionar como uma espécie de incubadora para o camarão se desenvolver, explica Regina Gonçalves Medeiros, assistente técnica regional da área de pesca artesanal da Emater.
– O camarão tem a ver com a salinização da água. E as condições climáticas não ajudaram – diz Regina, lembrando que a frustração foi maior porque a expectativa dos pescadores era de uma situação diferente.
O coordenador do Fórum da Lagoa dos Patos e presidente da Colônia de Pescadores Z-1, Nilton Machado, lembra que a última boa safra de camarão na região foi registrada em 2012 – um ano em que o Rio Grande do Sul registrou seca severa, que dizimou a produção agropecuária gaúcha. A pesca agora é melhor do que as últimas três temporadas, mas mesmo assim é ruim, diz Machado.
– Em um ano normal, o pescador vai para a água e consegue capturar mais de cem quilos por noite. Neste ano, só estão conseguindo por volta de 15 a 20 quilos por noite – explica Machado.
Segundo ele, há poucos locais próximos da boca da barra de Rio Grande mais protegidos, em que a água não adoçou tanto, proporcionando captura.
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Como sempre há boa procura, pelo menos os preços compensam parte do volume pequeno. Segundo o presidente da Z-1, os pescadores estão recebendo em torno de R$ 17 pelo quilo do camarão com casca. Há algumas semanas, estava entre R$ 12 e R$ 15. Em 2012, quando havia abundância do crustáceo, o preço chegava a R$ 5, recorda ele.
Com a água doce demais para o camarão, o preço fica salgado para o consumidor. A empresária Jandira de Souza Ferreira, proprietária da Peixaria Osório, localizada no mercado público de Rio Grande, conta que, além de escasso, o camarão está pequeno. Na última semana de março, conseguiu comprar para revender apenas cem quilos, quando o normal seria mais do que o dobro. Nos primeiros dias de abril, somente 15 quilos.
– Mas a procura é a mesma. O pessoal (consumidor) paga – diz Jandira.
Consumo se mantém em alta
A peixaria vende a R$ 60 o quilo do camarão limpo e a R$ 30 o com casca, adquirido a R$ 20 de atravessadores que compram de pescadores e conseguem reunir maiores quantidades para repassarem ao varejo. Se fosse uma safra normal, o preço não passaria de R$ 40 o limpo, avalia Jandira.
A quase inexistência da oferta de camarão também chega à Capital. No mercado público de Porto Alegre, o proprietário da Peixaria São Lourenço, Manoel Claudio Carvalho Maciel, conta que, em algumas semanas, sequer recebeu o produto para comercializar. O que a banca consegue vem congelado, de outros Estados, vendido aos consumidores por R$ 44,90 o quilo no início da semana.
– A procura está grande, mas quase não há para vender – diz Maciel.
Não bastasse a safra pequena, os criatórios que existem em outros Estados do país, principalmente no Nordeste, também enfrentam queda na produção devido à doença chamada mancha branca, que se espalhou pelo país nos últimos anos e é fatal para os crustáceos.
Ofício com futuro incerto
Com a experiência de quem aprendeu o ofício na infância com o pai, o pescador, agricultor e aposentado Valdir Dias Bastos, 69 anos, mostra pouco entusiasmo com a atividade. A maior parte da renda vem da aposentadoria. Também se defende com hortigranjeiros que planta na pequena propriedade que possui na Ilha dos Marinheiros, em Rio Grande.
O camarão pouco rende, apesar de considerar que, este ano, a safra foi até razoável. Mas longe das melhores épocas.
– O máximo que consegui pegar foi 50 quilos em uma noite. Em uma safra normal, era bem mais de cem quilos – conta Bastos.
Por estar mais próximo do mar, onde a água consegue ficar mais salgada, Bastos avalia que até não pode reclamar. Conhecidos que tentam capturar o crustáceo na Lagoa dos Patos, relata, vêm conseguindo bem menos.
Não bastasse o camarão escasso, espécies de peixes como corvina, tainha e peixe-rei também estão mais raras. A culpa é do próprio homem, acredita Valdir, referindo-se à poluição. Com o pescado cada vez mais raro, o futuro do ofício na região é incerto, acredita. Não quer que o filho de 17 anos, que estuda, repita o seu destino.
– A hora que os mais velhos findarem, acaba tudo. Os mais novos estão indo embora – constata.
Situação da tainha, bagre e corvina também preocupa os pescadores
A sequência de safras ruins de camarão não é a única preocupação dos pescadores artesanais. A captura das três principais espécies de peixes na Lagoa dos Patos – tainha, bagre e corvina – também tem problemas. No caso da tainha, o governo tinha a intenção de restringir a pesca devido a pesquisas que mostram o declínio dos estoques no país e o risco à espécie pela atividade predatória em populações que muitas vezes sequer chegaram à idade de reprodução.
No plano de gestão elaborado pelo governo federal, havia a previsão de diminuir o período de pesca, que é de 1º de outubro a 30 de maio, proibindo a atividade depois de 15 de março. Após uma mobilização dos pescadores, a medida não entrou em vigor este ano, como estava previsto.
– Na nossa região, o melhor período de pesca da tainha é justamente março, abril e maio – observa o coordenador do Fórum da Lagoa dos Patos e presidente da Colônia de Pescadores Z-1, Nilton Machado, que atribui os problemas de declínio no número de peixes à pesca de grande porte.
Uma das maiores dificuldades é a interlocução no governo federal, diz Machado. Após a extinção do Ministério da Pesca, a área ficou em um limbo, sem definição se suas atribuições ficarão ligadas às pastas da Agricultura ou Desenvolvimento.
Plano de manejo está em estudo pela Furg
Outra dificuldade é a proibição da pesca do bagre desde 2015, após um decreto estadual baseado em estudos da Fundação Zoobotânica, que concluíram pelo risco de extinção da espécie.
O diretor do departamento de Pesca e Aquicultura da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Ricardo Núncio, admite que, por enquanto, não há perspectiva de retomada da captura do bagre devido a outros estudos que confirmam a diminuição dos estoques.
– A espécie não tem reagido e ainda não sabemos as razões, se são climáticas, correntes marítimas, excesso de pesca, ou de reprodução – diz Núncio, acrescentando que agora é esperada a apresentação de um plano de manejo elaborado pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg) para tentar recuperar a população de bagres.
No caso da corvina, o problema é semelhante ao que leva ao baixo desempenho na captura do camarão, diz Machado. O excesso de água doce na lagoa dificulta a entrada e, segundo o presidente da colônia, modalidades ilegais de captura contribuem para a perda de renda pelos pescadores artesanais. Desta forma, conclui o dirigente, as famílias deixam de ter a possibilidade de se socorrerem em outras espécies quando uma vai mal.