Salinas, Califórnia – Quando os americanos se reúnem em torno de suas das mesas nas festas, é bem possível que as partes mais saudáveis de seus cardápios – as saladas, as caçarolas de brócolis ou as tigelas fumegantes de couve-de-bruxelas – tenham sido produzidas aqui no Vale de Salinas.
Uma longa faixa de solo profundo e fértil comprimido entre montanhas agudas, o vale mais do que dobrou sua produção nas últimas décadas e agora cultiva muito mais do que a metade da alface romana dos Estados Unidos.
No entanto, se há um lugar onde a grande quantidade de antioxidantes do vale não aparece é nas mesas dos trabalhadores migrantes que colhem seus produtos.
Autoridades de saúde pública apontam para uma crise de pobreza e má-nutrição entre dezenas de milhares de trabalhadores rurais e suas famílias que tomam conta dos campos de alface, brócolis, salsão, couve-flor e espinafre, entre outros produtos, em uma área chamada de saladeira da nação.
Mais de um terço das crianças da Escola Primária Distrital da Cidade de Salinas não tem moradia fixa; as taxas de diabetes em geral estão crescendo e a projeção é que disparem; e 85 por cento dos trabalhadores agrícolas do vale estão acima do peso ou são obesos, em parte por que os alimentos que não são saudáveis custam menos, afirma Marc B. Schenker, professor da Universidade da Califórnia, em Davis, que estuda a saúde dos trabalhadores rurais.
“As pessoas que cultivam nossos alimentos não têm dinheiro para comê-los e estão mais doentes por causa disso. É uma ironia incrível que aqueles que se ocupam dos campos o dia todo não tenham acesso aos produtos frescos que colhem”, explica Joel Diringer, especialista em saúde pública e advogado dos trabalhadores.
Há décadas, os campos do Vale de Salinas são uma porta giratória para os migrantes, desde os okies de John Steinbeck até os imigrantes latinos que cuidam das lavouras hoje. Noventa por cento dos trabalhadores rurais da Califórnia nasceram no exterior, principalmente no México, segundo o Departamento de Trabalho dos Estados Unidos.
Apesar de a produção do vale estar chegando a um número cada vez maior de lares do país, as autoridades de saúde pública dizem que não há sinal de melhora nas condições de vida e nas dietas dos trabalhadores do campo.
A popularidade das bebidas açucaradas e as preferências culturais por comidas que sustentam, mas são muito calóricas, como tacos e tamales, contribui para a obesidade dos trabalhadores e de suas famílias, dizem as autoridades públicas. Como, segundo estimativas, metade dos trabalhadores agrícolas do Vale de Salinas está no país ilegalmente, muitos não têm plano de saúde e ficam sem tratamento até que os sintomas se tornem agudos.
A combinação de aluguéis altos e salários baixos – a média fica tipicamente entre 10 a 15 dólares por hora – faz com que os trabalhadores tenham uma quantidade mínima e geralmente insuficiente de dinheiro para comprar comida e contribui para a crise de moradia de Salinas.
A falta de habitação tem crescido de forma tão constante dos últimos anos que a Escola Primária Distrital da Cidade de Salinas agora tem um contato para os estudantes que não possuem moradias permanentes.
Cheryl Camany, o contato dos moradores de rua da escola distrital, listou os tipos de lugares onde alguns dos trabalhadores rurais dormiam: “Tendas, acampamentos, prédios abandonados. Eles podem estar vivendo em um galpão de ferramentas ou em um galinheiro”.
Na aula de conscientização sobre diabetes e nutrição da escola maternal de King City, mulheres com sobrepeso de famílias de trabalhadores agrícolas recebem uma pilha de estatísticas sobre os perigos de dietas pobres, especialmente aquelas com muito açúcar.
“Dois em cada cinco americanos desenvolvem diabetes”, afirmou durante a aula Lisa Rico, a professora, em espanhol. “Mas para nós essa taxa é de um em dois.”
A aula foi oferecida pela ONG Fundação Médica Natividad, que é parte do Centro Médico Natividad, um grande hospital de Salinas.
Lisa Rico leu para a turma as descobertas de uma pesquisa com 1.200 jovens do Condado de Monterey, que inclui Salinas: 72 por cento das crianças com menos de dez anos e 83 por cento dos adolescentes dizem que bebem pelo menos um refrigerante por dia; os adolescentes tomam 4,5 vezes mais bebidas adoçadas do que água.
Outro estudo publicado em março pelo Centro de Pesquisa de Leis de Saúde da UCLA mostrou que 57 por cento dos moradores do Condado de Monterey tinham diabetes ou pré-diabetes, número apenas um pouco acima da média da Califórnia de 55 por cento.
Mas a doutora Dana Kent, diretora médica de promoção de saúde e educação da Fundação Médica Natividad, diz que as estimativas entre os trabalhadores agrícolas podem ser incompletas, especialmente entre os que não possuem documentos e os que temem procurar os serviços médicos.
“Temos a impressão de que há muita gente por aí que não têm um diagnóstico”, explica Dana.
Em uma tarde recente, trabalhadores do México e de El Salvador colhiam pés de alface americana em um campo em Gonzales, cidade no coração do Vale de Salinas. Os trabalhadores se moviam tão rapidamente – cortando, aparando as folhas de fora e colocando os pés em sacos plásticos – que pareciam atores em um filme acelerado.
Angelica Beltran, a supervisora, diz que seus funcionários normalmente comem de seis a oito tacos e tomam dois ou três refrigerantes em sua jornada.
“Ninguém bebe refrigerante light. Não tem gosto bom”, afirma.
Apesar do ritmo frenético, os trabalhadores sofrem do que Melissa Kendrick, chefe do Banco de Alimentos do Condado de Monterey, chama de “paradoxo da obesidade dos pobres”.
“Eles são gordos, claro, mas são malnutridos porque tudo o que comem é lixo”, explica.
O consumo de alimentos baratos e ricos em amido tem sido o principal motivo da epidemia de obesidade pelos Estados Unidos. Mas as taxas entre os trabalhadores agrícolas daqui são significativamente maiores: 85 por cento estão acima do peso ou são obesos comparados com os 69 por cento nacionalmente.
Alguns trabalhadores rurais do Vale de Salinas dormem do lado de vegetais que eles não conseguem comprar.
Em uma fileira de apartamentos empoeirados que parecem barracos, espremidos por trilhos de trem e vastos campos de brócolis, Maria Hernandez, de 60 anos, paga 520 dólares por mês por dois pequenos cômodos, cada com cerca de cinco metros de diâmetro. Sua família ampliada é de imigrantes mexicanos que passaram a vida cultivando e colhendo morangos, salsão e outros produtos. Ela descobriu a necessidade de comer alimentos mais saudáveis quando sua mãe e sua irmã foram diagnosticadas com diabetes.
“Apesar de estarmos cercados deles, não comemos porque são caros”, explica Antonia Tejada, filha de Maria, que trabalha de noite no McDonald’s. “Por US$ 2, compramos um grande saco de feijões ao invés de um pé de brócolis pequeno que não alimenta nem uma pessoa.”
* Thomas Fuller