Ser mais eficiente, garantir máxima qualidade e planejar o avanço da produção de leite para abrir novos mercados são o tripé defendido pelo analista sênior do Rabobank, Andrés Padilla, para o setor crescer com segurança, equilíbrio e rentabilidade.
Palestrante do 13º Congresso Internacional do Leite, realizado na semana passada em Porto Alegre, o colombiano destacou, em entrevista ao Campo e Lavoura, a tendência de expansão dos programas que remuneram o produtor por qualidade, previu uma recuperação nos preços do leite somente em meados de 2016 e apontou a profissionalização como um dos maiores desafios para o Brasil conquistar espaço no mercado internacional.
Veja a seguir, em tópicos, as principais considerações do analista:
O efeito das fraudes
É muito importante ter debates o tempo todo, tanto quando o mercado está em ponto alto quanto nos momentos em que as coisas estão complicadas. A descoberta de irregularidades é relevante, mas acredito que não é um problema exclusivo do Sul. Aqui, talvez, tenha um pouco mais de fiscalização e controle, o que faz os problemas ficarem mais evidentes.
Programas de qualidade
O ingresso de algumas empresas internacionais no Brasil, nos últimos anos, tem impulsionado a exigência por cada vez mais padrão e qualidade. Os supermercados vêm fazendo um trabalho interessante também, assim como as marcas. Quem não tiver qualidade ficará para trás. E isso se estende a cooperativas e indústrias de laticínio, pois quem tem matéria-prima de qualidade entregará um produto melhor. Ter um processo industrial e produtivo mais eficiente fará com que o consumidor valorize ainda mais o produto. O consumidor está muito preocupado com qualidade. Logo, primar por ela é vital para o setor avançar.
Hora certa de investir
O produtor tem de ter muito cuidado. Sempre precisa olhar qual vai ser o custo de produção antes de tomar qualquer decisão, pois não adianta investir muito se isso não garantir um produto de maior qualidade e que o permita buscar um preço melhor. E tem outro fator: se você tem um produto de melhor qualidade, tende a gastar menos no processo produtivo. Logo, investir bem e com inteligência faz com que o produtor, no futuro, recupere o que aplicou.
Oportunidade na crise
Sou muito otimista quanto ao cenário internacional de leite em médio e longo prazo. Os mercados emergentes precisam cada vez mais de uma alimentação melhor, e o leite é essencial, pois fornece valor nutricional elevado. Além disso, há muitos países na África e na Ásia que estão aumentando o consumo. E, em longo prazo, são poucos os que conseguirão aumentar bastante a sua produção. A Índia, por exemplo, um dos maiores mercados de leite e que é muito fechado, no médio prazo, terá de abrir espaço para importações. Haverá uma grande demanda potencial, sem dúvida.
Barreiras sanitárias
A questão sanitária é importante para o Brasil conseguir acessar mercados no Exterior, mas também é importante desenvolver melhores acordos comerciais. Nos últimos anos, o país tem se limitado a negociar só no Mercosul. Seria interessante fazer acordos comerciais que permitam colocar produtos com menores impostos no mercado internacional, o que faz diferença em competitividade.
(Foto Guilherme Dias, Divulgação)
Queda nos preços
É um momento bastante desafiador. Estamos projetando uma recuperação de preço só em meados de 2016. Então, serão de nove a 12 meses de valores baixos. Mas a gente sabe que o leite, como commodity, tem seus ciclos e, na medida em que a demanda se recuperar um pouco, especialmente na China e na Rússia, e a produção cair em resposta aos valores baixos, o mercado tende a encontrar de novo o equilíbrio, com preços voltando a patamares maiores.
Instabilidade no mercado
A China, que estava importando volumes muito elevados, reduziu bastante as compras por ter recuperado a produção doméstica. Logo, começou a importar menos. Nos últimos nove meses, a Rússia iniciou embargo a produtos lácteos da União Europeia, por uma questão política, e isso obrigou a Europa a colocar no mercado três bilhões de litros a mais. Logo, houve muita oferta, e a demanda, que vinha em ritmo elevado, perdeu fôlego. É normal que, em situação como esta, o preço diminua, mas não se esperava uma queda tão acentuada. Estamos em um ciclo de baixa, mas esperamos que pelo menos a demanda da China esteja mais estável no segundo semestre.
Real desvalorizado
A questão cambial ajuda nas exportações, mas, infelizmente, temos preços baixos. Então, o que você ganha com desvalorização do real perde nos preços internacionais. Isso mostra que não se pode ficar refém do câmbio, mas sim buscar ser mais eficiente. Afinal, se o custo de produção não está no mesmo patamar de grandes exportadores, fica difícil ser competitivo.
Força política
É importante que o setor esteja junto, forte e bem organizado para a abertura dos mercados para exportação. Creio que tem sido feito um trabalho interessante. Mas é importante que se trabalhe para tornar o Brasil capaz de colocar seus produtos em outros mercados com maior liberdade.
Desafios no radar
O principal é continuar com a profissionalização. Deve seguir caminho semelhante ao que aconteceu em outros segmentos do agronegócio brasileiro. Aos poucos, a produção tende a ser mais eficiente e capaz de se equiparar aos mercados internacionais. Se você analisa outros setores, como o de grãos, vê que o Brasil é competitivo. Agora, tem de seguir a mesma trajetória no leite. E o Rio Grande do Sul tem papel muito importante na produção, cuja expansão tende a se acentuar nos próximos anos.
Peso dos impostos
É um tema que não afeta só o leite, mas vários setores produtivos no Brasil. É preciso que as regras do jogo sejam bastante claras, pois só assim é possível acessar novos mercados.
Mais planejamento
O mercado brasileiro tem muito espaço para crescer. Mas, do jeito que está aumentando a produção, o Brasil tem de pensar mais no mercado internacional, pois é uma grande oportunidade. Para isso, fazer um planejamento de cinco a 10 anos é fundamental. Se esperar muito, pode ser tarde demais.