Em uma casa bem equipada e cercada pela natureza, a família Slavieiro desfruta de uma renda duas vezes maior do que há pouco mais de três anos. Com carro do ano, motocicleta para esportes radicais, internet e eletrodomésticos comprados recentemente, pai, mãe e filho se dividem nas tarefas diárias - que vão da ordenha de 33 vacas em lactação e alimentação de outras 40 aos cuidados na lavoura de grãos em uma propriedade rural de 37 hectares no município de Sertão, no norte do Estado.
A melhor condição de vida dos Slavieiro é o retrato de como os municípios que têm base econômica na produção primária conseguiram aumentar a renda nas últimas duas décadas. Estudo da Federação da Agricultura do Estado (Farsul) mostra que 10 municípios brasileiros com agricultura desenvolvida tiveram evolução 38,2% maior no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) - que une dados de saúde, educação e renda - de 1990 a 2010, quando comparados com as capitais dos Estados avaliados.
- Esse ganho é reflexo da produção que não depende apenas da fertilidade natural do solo. O agricultor que produz mais movimenta cerealistas, transporte, bancos, insumos, máquinas e consumo em geral - analisa Eduardo Condorelli, assessor técnico da Farsul.
Para melhorar o trabalho investiram R$ 30 mil em uma ordenhadeira canalizada - tecnologia elétrica para tirar leite da vaca e preservar a limpeza e sanidade. A coleta diária de 750 litros é vendida para indústrias da região.
- Com o leite, temos retorno todo o mês. A lavoura tem rendimento apenas a cada safra - diz Guilherme Slavieiro, 20 anos, estudante de Tecnologia em Agronegócio na unidade de Sertão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.
Desde que começou a faculdade, Guilherme aplica o conhecimento da sala de aula na propriedade da família:
- Sei exatamente o quanto estamos gastando com milho, quanto custa um quilo de silagem. Com controle de custos, sabemos quanto gastamos para produzir cada litro de leite. É dos detalhes que sai o lucro.
Morando a 10 quilômetros do centro do município - cerca de 20 minutos de carro - o jovem pretende se formar e continuar na propriedade. Na casa dos Slaviero tem internet, ar-condicionado, móveis e eletromésticos novos e equipamentos para aumentar a produtividade no trabalho.
- Comecei com uma juntinha de boi e uma carroça - lembra o pai de Guilherme, Lauri Slaviero, 50 anos, que mora no mesmo local há 35 anos.
Ao lado da mulher, Helena, 46 anos, criou dois filhos, a mais velha formada em Biologia, e tem planos de seguir investindo na propriedade.
- Hoje, está mais fácil ganhar dinheiro no campo - garante Lauri.
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Longevidade e educação, porém, ainda não avançaram
Embora o bom momento do campo tenha impacto positivo no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios gaúchos, o aumento de renda não está relacionado à melhora de outros dois indicadores de qualidade de vida: longevidade e educação. Ao menos não na mesma proporção.
- Os impactos se dão no PIB, mas não necessariamente em variáveis sociais - diz o economista gaúcho Flávio Comim, consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para o Panamá.
Conforme Comim, não há estudo que comprove a relação direta entre agricultura desenvolvida e aumento da qualidade de vida. Ele cita municípios com renda alta, como Sertão e Cruz Alta, que têm indicadores de saúde piores do que em locais onde a agricultura não é desenvolvida.
- Avanços em saúde e ensino dependem de como esses recursos são distribuídos - esclarece Comim, acrescentando que o grande desafio não é apenas o desenvolvimento, mas como esta evolução beneficia a população como um todo.
Para o professor de Sociologia do Desenvolvimento Rural Sérgio Schneider, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a evolução da agricultura ainda é excludente:
- O desenvolvimento equilibrado deveria abranger a todos os moradores, e não somente aumentar a concentração de renda individual.
Schneider ressalta que a agricultura desenvolvida demanda investimentos, o que acaba excluindo pequenos produtores.
- A população rural continua diminuindo, inchando regiões metropolitanas - alerta Schneider.