Iniciada no primeiro semestre deste ano no Litoral Norte, a obra que pretende encaminhar efluentes desde uma estação em Xangri-Lá até a bacia do Rio Tramandaí deu origem a um extenso debate ambiental.
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) emitiram uma nota, ainda em agosto, alertando sobre o risco de contaminação das águas. A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) garante que o esgoto é 100% tratado e que a obra atende a todas normativas previstas pelas leis ambientais.
Em 14 de agosto, centenas de pessoas participaram de uma audiência pública na Câmara de Vereadores de Imbé sobre a construção da tubulação. A estrutura levará efluentes desde a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) II, em Xangri-Lá, até o ponto de descarte final da rede, na bacia do Rio Tramandaí. Depois do debate, o Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), da UFRGS, emitiu uma manifestação pública a respeito do tema apontando danos ambientais. Já em 31 de agosto, moradores de Imbé e Tramandaí realizaram um protesto contra a obra.
Nesta quarta-feira (4), foi realizada uma reunião entre o Ministério Público Federal (MPF) e representantes dos municípios gaúchos de Tramandaí, Imbé e Osório, em conjunto com os municípios de Xangri-Lá e Capão da Canoa, para debater a questão. Os trabalhos que estão realizados pela Corsan já foram licenciados pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
Os grupos contrários às obras apontam para riscos ao meio ambiente e às comunidades da região. Em sua manifestação sobre o assunto, o Ceclimar ressalta que não foi contatado, em nenhum momento, acerca de estudos préviospara subsidiar a licença e defende a “necessidade de estudos técnicos aprofundados que busquem fomentar soluções aos problemas apontados”.
De acordo com o órgão de pesquisa, ainda que os efluentes sejam tratados, retirando materiais em suspensão, matéria orgânica, nutrientes e patógenos, a eficiência aproximada é de 90% — ou seja, parte desses contaminantes ainda seriam descartados nas águas. Assim, substâncias que não são removidas pelo tratamento, como produtos farmacêuticos e de higiene pessoal, medicamentos, inseticidas, pesticidas, microplásticos, metais pesados, entre outras descartadas por residências, comércios e indústrias, também poderão estar contidas nesse esgoto.
O engenheiro agrônomo Carlos Todeschini, membro do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí e representante do Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte Gaúcho (MOVLN), destaca que o grupo é contrário ao lançamento dos efluentes, mesmo que tratados, no manancial da bacia pelo mesmo motivo.
Na visão do especialista, que já foi diretor do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) e secretário municipal de Meio Ambiente de Canoas, os órgãos envolvidos nas obras avaliam o tratamento de esgotos como um sistema “muito eficaz e infalível”, algo que “está longe da realidade”:
— Sempre que se faz o tratamento de esgoto, por mais eficácia que tenha, nunca se retira a totalidade dos contaminantes. Há bactérias, agentes patogênicos que vão permanecer no manancial. O tratamento retira a carga orgânica que aumenta o tempo de permanência desses agentes, então diminui o tempo, mas ainda terá um período importante desses contaminantes no manancial.
Outro problema apontado por Todeschini é que os efluentes tratados ainda contam com percentuais de nutrientes, que facilitam a eutrofização dos corpos hídricos. Combinado a fatores climáticos, esse processo reduz o volume de água na bacia, aumenta a transparência e a temperatura da água e favorece a superfloração de algas, que “são altamente tóxicas tanto para o pescado quanto para a captação para abastecimento público”.
— O prejuízo é para todos os usuários das águas do manancial. São 400 famílias de pescadores, indígenas e quilombolas que utilizam as águas, agricultures familiares e todas as pessoas que necessitam do abastecimento. São cerca de 500 mil pessoas no período normal e mais de 1 milhão no veraneio — enfatiza.
Sempre que se faz o tratamento de esgoto, por mais eficácia que tenha, nunca se retira a totalidade dos contaminantes.
CARLOS TODESCHINI
Engenheiro agrônomo e membro do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí
O que dizem Corsan e Fepam
Em nota, a Corsan ressaltou que a obra do emissário de Xangri-Lá, que compõe a ampliação do sistema de esgotamento sanitário do Litoral Norte, “está licenciada e atende a todas normativas previstas pelas leis ambientais”. Também afirmou que a Estação de Tratamento de Xangri-Lá (ETE II) “dispõe de tecnologia moderna e opera 24 horas por dia com monitoramento permanente por meio do Centro de Operações Integradas (COI) mantido pela Companhia e também receberá investimentos ainda este ano, possibilitando a ampliação de sua capacidade e performance”.
Conforme a companhia, o efluente é 100% tratado e “tem total eficiência, atendendo aos parâmetros previstos em lei, devolvendo ao meio ambiente uma água límpida, preservando o ecossistema da região”. A Corsan informou, ainda, que o percentual de cobertura dos municípios do Litoral Norte é de apenas 31% atualmente, o que significa que “69% do esgoto hoje produzido não tem o tratamento e a destinação adequada, causando prejuízos ao meio ambiente”.
Em relação ao local de lançamento dos efluentes, a companhia esclareceu apenas que a definição “está embasada em estudos técnicos que iniciaram no ano de 2020 e tem o licenciamento da Fepam”.
Já a Fepam informou, também por meio de nota, que estabeleceu uma equipe técnica para analisar o estudo da Corsan sobre o lançamento de esgoto em lagoas e canais. De acordo com a fundação, o trabalho “detalhou a quantidade e a qualidade do esgoto que pode ser despejado em cada ponto, definindo padrões de emissão e níveis adequados de tratamento”.
Diante disso, o órgão aprovou dois pontos para o início gradual do lançamento, “inicialmente com vazões reduzidas e depois aumento progressivo, conforme os monitoramentos”. A fundação destacou que as licenças “condicionam o lançamento a qualidade do esgoto tratado, manutenção da capacidade de infiltração, monitoramento contínuo e estudo de viabilidade para lançamentos no oceano”.
As autorizações da Fepam foram concedidas para a Lagoa dos Quadros (Estações de Tratamento de Esgoto - ETE de Capão da Canoa) e Ponto 3 (ETE de Xangri-Lá). O Ponto 4 (ETE de Imbé) ainda está em avaliação, segundo o órgão.
“A Fepam exige medidas de salvaguarda para ajustar ou parar os lançamentos em caso de alteração na qualidade da água. Além disso, as Estações de Tratamento de Esgoto estão passando por melhorias para atender a padrões mais rígidos, e as que não podem ser adequadas estão sendo desativadas”, finalizou o órgão.