A onda de calor que atinge Estados Unidos, Canadá e Europa em julho, auge do verão, aflige milhões de pessoas obrigadas a suportar temperaturas de 40ºC a 50ºC. Florestas ardem em fogo e indivíduos "cozinham" em apartamentos com grossas paredes erguidas para isolar calor em regiões de inverno rigoroso.
A Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou que julho será o mês mais quente já registrado no planeta. Felizmente, a onda de calor deve acabar nos próximos dias. Mas cenários semelhantes serão cada vez mais comuns devido ao aquecimento global, que dissipa quaisquer dúvidas restantes de sua presença.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, afirmou que a “era do aquecimento global acabou, agora é o momento da era da ebulição global”. Ele também disse que “a mudança climática está aqui, é assustador e isso é só o começo”.
O aquecimento global é causado pelo excesso de gases do efeito estufa gerados pelo ser humano. A poluição atua como um manto que envolve a atmosfera e impede a saída de parte dos raios de sol refletidos pelo solo. O resultado é o aquecimento do planeta: desde a Revolução Industrial, a Terra está 1,2ºC mais quente, o que intensifica a força e a ocorrência de fenômenos meteorológicos passageiros.
A onda de calor no Hemisfério Norte é um desses fenômenos piorados. Ela é causada por sistemas de alta pressão na atmosfera que “empurram” o ar quente para o chão, o que impede a formação de nuvens (que nos protegem dos raios solares). Nesse movimento de descida, o ar é comprimido e fica ainda mais quente.
— Quando você tem um sistema de alta pressão, o ar é descendente, então impede a formação de nuvens. O sol muito forte bloqueia a formação de frentes frias. É também o pico do verão, tem 14 horas por dia de radiação solar, então o sol muito forte seca o solo, o que aquece o ar, e por isso há registros de 40ºC e 50ºC. Isso é um fenômeno da meteorologia, mas houve recordes de temperatura em 2022 e, agora, em 2023. Esses fenômenos estão ficando mais frequentes e mais fortes. Isso é o aquecimento global — afirma a GZH o climatologista Carlos Nobre, uma das maiores autoridades do Brasil em mudanças climáticas.
Glaciologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jefferson Simões afirmou à Rádio Gaúcha nesta sexta-feira (28) que o Oceano Atlântico norte está 3ºC mais quente do que a média. Ele lembra que, em julho, a Terra registrou a maior temperatura média mundial da história: 17,01ºC, quando a expectativa era 15,5ºC.
— Nos últimos oito anos, tivemos todos os anos anomalamente mais quentes. Vemos com maior frequência ondas de calor, de frio e precipitações com grandes enxurradas. Faz 40 anos que avisamos que ocorreria isso, mas houve campanha de desinformação negacionista desses processos — diz o pesquisador.
Na Grécia, tomada por incêndios florestais, cinco gregos morreram devido ao calor. Alguns locais evacuaram habitantes: na ilha de Rodes, 20 mil pessoas foram evacuadas em um fim de semana e, em Atenas, a Acrópole, destino de turistas, foi fechada.
— Os extremos climáticos sofridos por milhões de pessoas em julho nada mais são do que a dura realidade da mudança climática e uma prévia do que o futuro nos reserva — disse o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial das Nações Unidas, Petteri Taalas.
Em Portugal, não há onda de calor intensa, mas a seca generalizada afeta 90% do país. Na Itália, houve registro de mortes, como a de um operário que morreu perto de Milão, onde fazia 40ºC. Alguns locais da Sicília marcaram 47ºC, algo completamente anormal para a Europa.
Natural de Montenegro e moradora de Milão, na Itália, a relações internacionais Catharina Becker, 28 anos, descreve que a onda de calor é o assunto do momento. A sensação de abafamento está presente mesmo de manhã ou à noite – a cidade vive temperaturas entre 35ºC e 40ºC.
Faz 40 anos que avisamos que ocorreria isso, mas houve campanha de desinformação negacionista desses processos
JEFFERSON SIMÕES
Glaciologista e professor da UFRGS
— No Sul da Itália, há muitos incêndios e tiveram que evacuar turistas. No Norte, acontecem eventos extremos que não havia antes, como chuva muito forte, granizo e ventos acima de 100 km/h. Na Europa, não estão tão preparados para o calor quanto para o frio. As casas são feitas para reter calor, e não é comum ter ar-condicionado. Milão é uma cidade muito cimentada, tipo São Paulo, a gente se sente sufocado com o calor.
Nos Estados Unidos, uma onda de calor que dura três semanas colocou 180 milhões de pessoas – ou seja, metade da população – sob alerta. A cidade de Phoenix, no Arizona, registrou 28 dias consecutivos com temperaturas acima dos 43,3ºC. O Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA emitiu alerta para esta sexta-feira (28) e sábado (29).
Em Nova York, o prefeito declarou que a previsão de temperatura acima dos 41ºC para este sábado na cidade “é questão de vida e morte”. O Comissário da Saúde de Nova Iorque, Ashwin Vasan, afirmou em comunicado que “o calor é mortal e as alterações climáticas estão a tornar o calor extremo mais frequente e ainda mais perigoso”.
— Penso que ninguém mais pode negar os impactos da mudança climática — afirmou o presidente Joe Biden, pedindo que populações mais vulneráveis não saiam nas ruas.
Não há mais dúvidas sobre vivermos as consequências das mudanças climáticas, avalia também André Ferreti, membro da ONG Observatório do Clima e gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário. Mas ele destaca que o Hemisfério Norte vive altas temperaturas também porque apresenta uma quantidade de solo longe dos oceanos maior do que o Hemisfério Sul, o que favorece os termômetros subirem mais alto (a proximidade à água costuma regular a temperatura).
— Se antes se discutia se um evento extremo era devido à mudança climática, agora não resta dúvida. Além de lá ser auge do verão, é lá que tem mais terras em continente, então tem mais solo exposto do que no Hemisfério Sul. Por isso, temos temperaturas acima dos 50ºC e com incêndios em verões secos. O primeiro caminho é que o mundo precisa urgentemente reduzir as emissões de gases do efeito estufa — diz.
Se o mundo já ficou 1,2ºC mais quente desde a era pré-industrial, cientistas tentam desenvolver medidas para que o aumento não ultrapasse os 1,5 ºC, conforme estipulado pelo Acordo de Paris de 2015. Se passar dos 2ºC, o que ocorrerá se nada for feito, os efeitos serão cada vez piores.
Para além de reorganizar a economia global, será necessário também trabalhar com o conceito de resiliência climática – isto é, adaptar agricultura e cidades aos extremos climáticos.
— Algumas culturas agrícolas sofrerão mais porque haverá mais chuvas em uma região e menos em outras. Lugares com muitas inundações precisam de medidas como jardins de infiltração para ajudar a água não escorrer. É possível também implementar vegetação urbana, parques e jardins em telhados, assim como recuperar encostas sujeitas a deslizamentos com obras de engenharia ou reflorestamento. Podemos também realocar algumas comunidades que estão em áreas vulneráveis, como margens de rios que sofrem inundações. Mas, se não atingirmos as metas do Acordo de Paris, vamos viver uma situação nunca antes experimentada pela espécie humana — diz Ferreti.