Um dilema pesa na consciência toda vez que se vai às compras: aceitar as sacolas de plástico ou levar uma reutilizável? Um projeto de lei que tramita na Câmara de Vereadores de Porto Alegre quer acabar com esse impasse, proibindo estabelecimentos comerciais de distribuírem e de venderem as sacolinhas.
De autoria da vereadora Cláudia Araújo (PSD), o projeto de lei 321/22 proíbe distribuir gratuitamente ou vender aos consumidores qualquer tipo de sacola plástica para acondicionar e transportar mercadorias adquiridas em estabelecimentos comerciais. Também diz que a clientela deve ser estimulada a se adaptar às reutilizáveis ou biodegradáveis. No entanto, a primeira emenda do projeto permite a comercialização de sacolas que atendam a "certos requisitos de sustentabilidades", mas mantém a proibição da distribuição gratuita.
Segundo a assessoria jurídica da parlamentar, o projeto não se volta às embalagens originais dos produtos, de alimentos vendidos a granel e de alimentos que vertem água, como frutas e verduras embaladas após serem pesadas. O foco são as "sacolas plásticas finais", para "iniciar uma mudança de pensamento", conforme nota enviada à reportagem.
O PL foi protocolado em setembro do ano passado e em janeiro deste ano seguiu para análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Há um caminho pela frente antes de ir à votação em plenário, passando por outras comissões e recebendo pareceres dos vereadores.
Se virar lei, Porto Alegre seguirá o exemplo de outros locais que já vetaram as sacolas de plástico, como Nova York, Califórnia e Havaí, nos Estados Unidos, onde há a proibição. No Distrito Federal, deixaram de ser permitidas em agosto do ano passado.
Entre as ecobags e as sacolinhas
Conhecidas como ecobags, as sacolas reutilizáveis defendidas no projeto de lei já se tornaram comuns em alguns lugares da Capital. Na Feira Ecológica do Menino Deus, destinada à venda de produtos orgânicos e com uma pegada ambiental, a maioria dos frequentadores vai com bolsas próprias. Só eventualmente surge alguém destoando do restante e carregando uma de plástico.
Um deles era o funcionário público Carlos Chagas, 60 anos. Havia combinado com a esposa, Denise Accurso, 59, de se encontrarem na feira por volta das 11h30 desta quarta-feira (22). Ela traria as ecobags de casa. Como ele chegou antes do horário combinado, acabou colocando frutas e verduras dentro de sacolas de plástico que já levava consigo.
— Olha o momento que tu me pegou — disse Chagas, constrangido — Acho horrível a sacola de plástico, mas eu cheguei antes da Denise e, aqui na feira, tem que ser rápido. Mas o que eu acho é que a sacola de plástico tem que terminar.
Segundo Denise, eles têm uma média de 10 ecobags em casa e raramente usam as sacolas de plástico. Nem mesmo para o lixo domiciliar — compram saco biodegradável.
Proprietária da banca Bolicho, Eliana Gomes diz que 90% da sua clientela já chega para as compras com sacolas próprias. No caso de alguém estar desguarnecido, ela oferece uma ecobag confeccionada pela organização da feira, à venda por R$ 4. Em último caso, lança mão de uma de plástico.
— Às vezes o cliente chega aqui sem se planejar e pede uma sacola de plástico. A gente oferece a ecobag, mas eles respondem que já têm uma em casa — diz.
É uma declaração que resume o comportamento de alguns clientes: mesmo que tenham ecobags, acabam indo às compras despreparados. É aí que a sacolinha entra em cena.
— Eu sempre trago a ecobag aqui para a feira, mas hoje eu comprei em muita quantidade e só a ecobag não foi suficiente. Quase choro quando pego plástico, mas, dessa vez, foi necessário — diz a advogada Paula Vargas, 53 anos, que tinha nas mãos tanto uma ecobag quanto sacolas de plástico.
Há um local onde as sacolas de plástico são mal vistas: as feiras orgânicas da Avenida José Bonifácio, em frente à Redenção, onde seu uso começou a ser desestimulado a partir de 2018. Hoje, os feirantes da Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE) e da Feira Ecológica do Bom Fim já não dão essa opção à freguesia.
— Existia o medo por parte dos feirantes de que, ao deixarem de oferecer as sacolas de plástico, haveria um impacto nas vendas. Mas resolvemos retirar de vez quando os próprios consumidores começaram a falar: "Vocês são uma feira ecológica e estão ainda distribuindo plástico?" — recorda Elson Schroeder, assessor de comunicação da Associação Agroecológica, entidade por trás da FAE. — Hoje, acho que se alguém entrar com sacola de plástico lá nas feiras da José Bonifácio, as pessoas vão reclamar.
Usos e impactos
Apesar de sofrerem críticas, as sacolas de plástico têm muita utilidade e teriam menor impacto ambiental se fossem usadas adequadamente, defende o presidente do Sindicato das Indústrias de Material Plástico do Rio Grande do Sul (Sinplast-RS), Gerson Haas.
— Nosso setor defende os três "R's": reduzir, reutilizar e reciclar. A sacola plástica que recebemos nos supermercados pesa em torno de quatro gramas e consegue levar aproximadamente seis quilos de produtos. Já fizemos ela no menor peso possível para ser viável economicamente e para ter o menor impacto. Além de levar a mercadoria, a sacola pode ser reutilizada nas lixeiras de casa e, após esse uso, deve ser reciclada — diz.
O problema, acrescenta Haas, é que ainda falta consciência sobre como manejar.
— As sacolas devem chegar à reciclagem, mas nem todas chegam. Tem pessoas que consomem o que compraram no supermercado e jogam a sacola fora de forma inadequada. Está errado isso. Temos que reutilizar e depois descartar adequadamente. Não pode ir parar no riacho, no rio ou no mar.
O tempo que levam para se degradar é um ponto negativo. As mais comuns, feitas de polietileno, derivado do petróleo, precisam de 400 a 450 anos para se deteriorarem, explica a professora Fernanda Medeiros Gonçalves, coordenadora do curso de Gestão Ambiental da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A capacidade de se dispersarem pelo meio ambiente é outro fator nocivo.
— Além desse tempo de degradação, tem a consequência dessas sacolas no meio ambiente, nos oceanos. Os animais marinhos acabam consumindo esse material como alimento, e isso causa mortalidade nos bichos. Já encontraram essas sacolas plásticas em calotas polares e até no Monte Everest — diz.
Segundo a professora, há alternativas para as tradicionais sacolas de polietileno: as biodegradáveis, as com selo I'm Green, em parte feitas com cana-de-açúcar, e as oxibiodegradáveis. Todas têm menor tempo de decomposição, mas maior gasto na sua produção - podem custar até três vezes mais que as convencionais.
— As biodegradáveis têm alimentos como matéria base, como resíduos de batata, mandioca, milho, e se decompõem em um período de seis a nove meses. As com o selo I'm Green têm cana-de-açúcar na sua composição e levariam em torno de 18 meses para se degradarem. Já as oxibiodegradáveis são feitas com o polietileno, mas incluem catalisador para se degradarem mais rapidamente quando expostas a temperaturas elevadas. Só que ainda irão gerar microplásticos — explica.
Para Fernanda, a estratégia mais eficaz para reduzir o consumo das sacolas plásticas não é proibir sua distribuição, mas cobrar por isso.
— Quando pesa no bolso é que começamos a mudar nossos hábitos. Se o mercado disponibilizasse essas sacolas com menor tempo de degradação e cobrasse por elas, o consumidor começaria a levar sua sacola de casa e assim o uso das sacolas seria reduzido.
A Associação Gaúchas dos Supermercados (Agas) informou que está a par do projeto de lei e que só vai se manifestar após uma reunião com a vereadora, marcada para os próximos dias.