Por Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo, docente da Furg
Vivemos o período mais sombrio da nossa época, que remonta tempos de violência, deterioração cultural, fracasso econômico e fanatismo religioso. Em nome de Deus, a escalada do extremismo político no Brasil, de extrema-direita, tenta nos empurrar uma nova ordem de costumes, retirando do fundo do baú conceitos com forte cheiro de mofo, de uma época já superada pelo pensamento, pela arte, a razão e a ciência. Inclusive, alguns poucos, empoderados pelo autoritarismo no poder e tomados pelo sentimento confuso de tendências anticomunista e nacionalismo extremo, se colocam ao lado de um campo ideológico perigoso, de negação e desconstrução do Estado democrático de direito. Não é muito diferente do fascismo e com certeza não queremos isso.
O negacionismo é a principal estratégia do processo de desconstrução. Nega-se absolutamente tudo, em especial a ciência e a credibilidade das instituições. E aquele que ousa pensar e/ou questionar o exercício da negação imediatamente se torna alvo dos negacionistas. A negação da harmonia entre os poderes levou aos atos antidemocráticos e inconstitucionais, que pediam a intervenção militar, o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal aos gritos de “queremos o AI-5”, a mais dura das medidas durante a ditadura; a negação na saúde, durante a pandemia, levou à militarização do ministério da área, a um embate nacional quanto às medidas sanitárias, ao atraso na compra de vacinas, à aposta em medicamentos sem eficácia, à imunidade de rebanho e ao espantoso número de casos de infecção e morte pelo novo coronavírus; a negação ambiental, quanto ao aquecimento global, a queimadas e ao desmatamento, levou ao maior desmonte de políticas públicas de meio ambiente da história do país, com a desmobilização da participação da sociedade civil em conselhos, paralisia de fundos internacionais, cortes significativos no investimento e manutenção de programas e projetos, abandono das unidades de conservação, para além da redução da força de fiscalização e controle.
O negacionismo ambiental nos deixará cicatrizes irreparáveis. A destruição que avança a perder de vista na Amazônia também cresce nos demais biomas brasileiros, com forte impacto no Pantanal, no Cerrado, no pouco que restou da Mata Atlântica e no Pampa. E o negacionismo ambiental vai além das práticas criminosas que ganharam proporção, como invasão de terras, supressão da vegetação nativa e garimpo ilegal. Chegou no poder legislativo, onde mudanças nas leis ameaçam a demarcação de terras indígenas e a sobrevivência dos povos da floresta. Sem falar na aprovação de Projetos de Lei (PL) que flexibilizam o licenciamento ambiental e permitem o uso de mais veneno na produção de alimentos, incluindo moléculas químicas de formulações proibidas no país de origem.
E está enganado aquele que vê o negacionismo, apenas no amplo e macro plano das ações e/ou omissões do governo federal. Nada disso: o negacionismo é estrutural e alcança outras esferas de governo; o que varia é a intensidade e às vezes independe do espectro ideológico. Ou seja, é possível encontrar manifestações negacionistas tanto à esquerda quanto à direita, mesmo que o negacionismo ambiental seja mais comum neste último campo.
É exatamente assim que se comporta o governo gaúcho e de diversos municípios do Rio Grande do Sul, como Pelotas, onde tenho minha morada. As questões ambientais não são levadas totalmente a sério no nosso Estado. Decisões são tomadas à revelia da ciência e do apelo técnico, muitas vezes com o consentimento e aprovação da Assembleia Legislativa. Decisões que conflitam com os princípios da sustentabilidade, de preservação da vida e da manutenção da biodiversidade. Foi assim na alteração do Código Estadual do Meio Ambiente, na aprovação do PL 260/20 (“PL do veneno”), bem como as iniciativas de ampliação do uso do carvão mineral e de transferência da gestão dos parques estaduais para a iniciativa privada.
Pelo menos nem tudo está perdido e ainda temos um enorme potencial agrosilvopastoril, mineral, hidroviário e energético para explorar. E a maior parte dessas riquezas encontram-se reservadas na metade sul do Estado. Será a nossa virada para um novo rumo no desenvolvimento – mas isso é preciso deixar para contar em um próximo texto.