Por Alexandre Ruszczyk
Biólogo, doutor em Ecologia
A discussão mundial sobre a covid-19 é apenas um treino para a humanidade enfrentar os problemas relacionados àquele que é o grande assunto do momento: a sobrevivência da espécie humana em um planeta cada vez mais destruído (vide o derretimento das calotas polares) e poluído pelo homem (vide a queima de combustíveis fósseis).
Como afirmou certa vez o médico humanista Albert Schweitzer, “o homem perdeu a capacidade de prever e prevenir; ele acabará destruindo a Terra”. Hoje, cerca de 50% da produtividade primária bruta mundial (o total da energia luminosa do Sol fixada na forma de compostos orgânicos pelos seres clorofilados) é usada pelo homem (em safras agrícolas, extração de madeira, pastagem e alimentação de animais domesticados) ou destruída por suas atividades (poluição da água e do solo, queimadas, urbanização de áreas naturais).
O que mais surpreende na escalada destrutiva atual é a impassibilidade de muitas pessoas. Estamos tão fora da realidade que desconhecemos nossa própria natureza animal. Quando expliquei a um amigo que ele é um animal, ficou triste, reflexivo, olhando para o chão. E depois, ao nos reencontramos, questionou se eu tinha mesmo certeza do que havia afirmado. Apesar das nossas qualidades em termos de imaginação, pensamento, produção artística e técnica, somos, em suma, mais uma espécie de mamífero de médio porte habitando a Terra – lugar que ocupamos há 5 milhões de anos, aproximadamente.
O registro fóssil está cheio de outros mamíferos de médio porte extintos. Eles aparecem nas camadas geológicas em curtos períodos de tempo, variando de 4 milhões a 20 milhões de anos. Como mamíferos de médio porte, repetimos os padrões e processos que levam ao fim dos animais dessa categoria: a extinção ocorre pela destruição do habitat pelo próprio organismo, o que pode se dar por seu número excessivo, ou então por outro fator relacionado, a exemplo das doenças contagiosas em populações muito adensadas.
Por acaso não é exatamente isso o que estamos fazendo?
Está cada vez mais claro que pouco ou nada podemos esperar de líderes mundiais e políticos. Um ditado chinês, sobre isso: “A maior ilusão do cidadão é a de que seus governantes estão preocupados com sua felicidade”.
Outra decepção vem dos líderes religiosos. Esses deveriam condenar as ações impiedosas que estão levando à extinção plantas e animais indefesos. A piedade não é um preceito central das religiões? O forte apelo à piedade não marcou as ações de Jesus Cristo? Como faz falta um “Lutero moderno”, que poderia afixar nas portas dos templos de todas as religiões uma simples pergunta: “Vós que vos apresentais como fiscais e representantes de Deus, o que estais fazendo de concreto para proteger da destruição sua obra mais sublime, a natureza?”.
Não há exagero nessa frase: os seres vivos são as estruturas mais complexas do universo; não há mineral, radiação ou qualquer outra substância que supere a complexidade das moléculas orgânicas, como o DNA, por exemplo. A essência da humanidade não é a tecnologia, mas sim os valores espirituais, como a fraternidade, e desta virá uma nova atitude.
O que mais surpreende na escalada destrutiva atual é a impassibilidade de muitas pessoas. Estamos tão fora da realidade que desconhecemos nossa própria natureza animal.
Há, sim, outro destino possível para o ser humano, em que ele poderá proteger a vida na Terra e a si próprio da extinção. Talvez venha justamente do agravamento das condições ambientais, que poderiam produzir uma mudança positiva nas relações humanas que nem a filosofia, a religião ou a política conseguiram – quem sabe?
É que, para superar a crise ecológica, além da conscientização geral, são necessárias ações em tempo integral de muitas pessoas dedicadas. Uns para colocarem a mão diretamente na massa, outros para os treinarem e financiarem o trabalho de conscientização e real mudança, pelo menos no início. Seria a velha divisão de trabalho entre os primatas superiores: uns se alimentam e cuidam da prole, outros ficam de alerta contra os predadores.
Sou otimista quanto ao futuro. Acredito que uma ação global dos cidadãos se intensificará cada vez mais de modo a possibilitar a reversão desse processo destrutivo. Quem sabe um momento de crise como o atual não desperte essa consciência.