Em pleno agosto, flores já colorem as ruas de Porto Alegre, atraindo a atenção dos cidadãos que tiram fotos para publicar nas redes sociais. Este é o comportamento normal de algumas plantas, como os Ipês. Contudo, também estão sendo registrados estágios de floração mais avançados em espécies que não costumam desabrochar ou dar frutos no inverno — à exemplo da pitangueira, do pessegueiro e da ameixeira.
Os vários dias quentes que o Rio Grande do Sul registrou ao longo do inverno podem ter tido participação nesse fenômeno. O professor do curso de Ciências Biológicas da Universidade Feevale e mestre em botânica pela UFRGS Rage Weidner Maluf explicou que as plantas recebem estímulos ambientais para entrar em floração, e a grande maioria se aproveita do aumento do período de luz que recebem. A diferença de temperatura também é um fator que pode influenciar no acontecimento.
— Nós tivemos um período relativamente longo de calor. Em julho tivemos uma semana quase de um calor bem intenso para a época do ano, aqui no Sul, e agora há pouco saímos de novo de uma época de calor. Isso já serve como estímulo para que as plantas comecem a entrar em floração — disse.
O professor aposentado de Agrometeorologia da UFRGS e pós-doutor na Universidade de Reading, no Reino Unido, Homero Bergamaschi afirmou que, embora diversas plantas entrem em repouso durante o inverno — período conhecido como dormência —, elas necessitam de temperaturas altas para florir. Contudo, quanto maior o frio, menor a necessidade de calor para isso acontecer.
— Nos anos mais frios, em períodos de frio intenso, a necessidade de calor para sair da dormência se reduz — disse. — Este ano tivemos um frio até bastante intenso, mas que se alterna com períodos relativamente quentes. Um veranico, durante o inverno antecipado por um frio, pode facilmente fazer com que essas plantas saiam da dormência — acrescentou.
Impactos da floração antecipada
Embora deixe a paisagem bonita, uma floração antecipada pode trazer alguns riscos. Se a temperatura cair demais após a floração — como está previsto para esta semana —, tanto as próprias plantas quanto a polinização delas fica prejudicada.
— (A floração antecipada pode) diminuir o movimento dos insetos. Por exemplo, as abelhas: se o frio está muito intenso, elas não se atrevem a sair da colmeia. Então o que pode acontecer, não que necessariamente vá, é uma polinização um pouco menor do que o comum — explicou Maluf.
Bergamaschi, por sua vez, ressaltou que o fenômeno pode trazer problemas na área da agricultura, prejudicando cereais de inverno, hortaliças e plantas frutíferas.
— O risco maior são para os cereais de inverno (como o trigo) e as plantas de clima frio. Elas dependem de uma floração intensa e da pega dessas flores, para que possam fixar esses frutos e se desenvolver ao longo da primavera e do verão — explicou. — Tem agricultores começando com lavoura de milho, feijão. Essas culturas também são bastante suscetíveis, justamente porque são de estação quente. E isso pode acarretar problemas, como ter que replantar lavouras e aí atrasar todo o sistema de produção.
Essa irregularidade, contudo, faz parte do clima subtropical, avaliou Bergamaschi. A vantagem é poder ter plantas que se adequam tanto ao frio quanto ao calor. A desvantagem é a variabilidade climática, que pode trazer riscos para essas espécies. Maluf, por sua vez, atentou para os efeitos da mudança climática
— Muita gente não acredita, mas a gente está tendo uma alteração de clima que acarreta esses períodos anormais de temperatura, por exemplo — defendeu.
Apesar dos problemas que a floração antecipada pode causar, Maluf disse que o fato de os cidadãos estarem comentando sobre o assunto é algo positivo, pois mostra que estão olhando seu entorno e percebendo a beleza que a natureza pode providenciar.
—Isso é uma boa forma de fazer com que cada vez mais as pessoas respeitem o ambiente e se preocupem com as suas ações no dia a dia — finalizou.