Para impulsionar as discussões no Dia Mundial do Meio Ambiente, a prefeitura de Porto Alegre transmitiu uma conferência virtual com o tema Planejamento Urbano e Mudanças Climáticas na manhã desta sexta-feira (5). No evento, cinco especialistas em mudanças climáticas – entre eles Carlos Nobre, vencedor do Nobel da Paz em 2017 – trouxeram estudos e medidas positivas que são tomadas por outras cidades brasileiras e do mundo. O webinar integra a programação da 36° Semana do Meio Ambiente da Capital. Veja aqui.
GaúchaZH conversou com uma das painelistas. Thelma Krug é vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), doutora em estatística espacial pela Universidade de Sheffield, na Inglaterra, e foi diretora do Departamento de Políticas para Combate ao Desmatamento do Ministério de Meio Ambiente (MMA), de 2002 a 2015.
Na entrevista, ela fala sobre a visão do Brasil para a comunidade internacional, critica a política ambiental adotada pelo governo de Jair Bolsonaro e o responsável pela pasta ambiental, Ricardo Salles, aponta que as instituições de fiscalização brasileiras vivem um “desmonte institucional” e aponta caminhos a serem seguidos.
Como está a imagem internacional do Brasil em relação às políticas ambientais?
Já estive à frente da diretoria para políticas de combate e prevenção do desmatamento tanto na Amazônia quanto no cerrado. Então, tínhamos planos de ação específicos para isso. Eles eram desenvolvidos desde 2004, implementados e, claro, avaliados em termos de eficiência na redução do desmatamento. De 2004 a 2012, foi reduzido em quase 80% essa ação. Depois, começamos a ter pequenas flutuações do desmatamento. E hoje, infelizmente, vemos que estamos com uma tendência sistemática do crescimento do desmatamento. Internacionalmente, o Brasil tinha uma imagem de um país de vanguarda, que tinha iniciativas fantásticas no combate ao desmatamento e era louvado pelo fato de ter conseguido reduzir um percentual tão grande em pouco tempo. Então, essa mudança de governo (entrada de Jair Bolsonaro) levou a uma mudança de trajetória, e o Brasil hoje é visto com ressalva na forma como encara a parte ambiental, e isso trará consequências bem complicadas para o país.
Que retrocessos você aponta nas políticas e medidas adotadas?
O primeiro foi o desmonte institucional. Esse governo, desde o começo, ele desmontou a estrutura que existia no MMA, no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no Instituto Chico Mendes. Foi tirado desses órgãos a parte mais fundamental, que é a possibilidade de controle, fiscalização e autuação. Essa é a chave da redução do desmatamento de maneira mais imediata. O controle e a prevenção do desmatamento exigem equipes em campo sempre, mas, desde o começo do governo atual, o presidente proibiu a queima de equipamento daqueles criminosos que destroem a natureza. Houve um enfraquecimento na legislação, o governo está apoiando os ilícitos ambientais como forma de ocupar a Amazônia e permitir que ela possa ser explorada. Está sendo dado privilégio para uma minoria comprometer a floresta amazônica, o cerrado e os demais biomas.
Você trouxe uma série de críticas. Acredita que esse caminho tem volta?
Eu sou completamente apartidária e apolítica, mas tenho uma preocupação enorme com o que está acontecendo por ter tido uma trajetória dentro do MMA. O retrocesso foi enorme e rápido. Eu não vejo neste governo possibilidade de avançar em direção ao progresso, principalmente depois do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, na qual Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente, pede o afrouxamento do regramento ambiental. O que esperar de um governo que mantém uma pessoa no cargo depois de ela dizer disso?
Como o planejamento urbano influencia nas mudanças climáticas?
A área urbana é responsável pela emissão de grande parte dos gases de efeito estufa, principalmente de dióxido de carbono. Isso se deve aos materiais usados nas construções e na infraestrutura, ao transporte, entre outros. Toda a vida na cidade está relacionada com a emissão dos gases de efeito estufa. O planejamento urbano é essencial para alinhar os arranjos institucionais, a governança e os recursos financeiros para que você possa ter os instrumentos para balizar a decisão do Estado que quer reduzir suas emissões na área urbana. E, para isso, é necessário um planejamento. Você precisa saber onde irá atacar primeiro.
O que pode ser feito pelas cidades, especificamente, por Porto Alegre?
Por estar atrelada ao IPCC, trabalho mais com a parte global. Contudo, nas publicações que leio, mesmo de maneira global, são indicadas várias formas de mitigação, e não são somente em relação à redução da emissão de gases de efeito estufa, mas também aos instrumentos políticos que precisamos para viabilizar essas reduções. Como, por exemplo, alinhar as políticas públicas, a governança, as leis municipais, o engajamento do setor privado e da sociedade civil. O planejamento urbano precisa levar em consideração todos esses componentes para ser eficiente. Comentei também no webinar que as emissões no transporte são as mais difíceis de serem reduzidas, porque são baseadas no combustível fóssil, as nossas estradas não são boas, e isso diminuiu a eficiência dos carros. Esse é um gargalo para a maioria das cidades. Por isso, friso a importância de investirmos em outros modais e melhorar a qualidade do transporte público existente.
Como Porto Alegre pode contribuir?
A questão dos modais é muito importante, mas, no Brasil, temos uma grande complexidade relacionada à segurança. Ou seja, em outros países, as bicicletas, principalmente, são amplamente usadas sem ter a preocupação de assegurar a segurança pessoal e também no trânsito. Esses são elementos que a gente tem que pensar e adequar para a realidade do nosso país. Contudo, é preciso pensar também em edificações mais sustentáveis do ponto de vista de ter uma iluminação solar boa, que tenha um resfriamento que não exija a instalação de ar-condicionado. É preciso repensar também que tipo de material é usado nas edificações. Usamos muito aço, concreto e cimento, que são materiais que são muito carbono intensivos (ou seja, que emitem muito carbono). O aumento de áreas verdes que ajudam a remover o dióxido de carbono da atmosfera aumenta o bem-estar por meio do resfriamento. Entretanto, Porto Alegre está dando enormes passos. A cidade tem iniciativas sólidas e está no caminho correto de ser uma cidade de vanguarda.