A diplomacia brasileira estaria trabalhando para frear o progresso das negociações de um novo acordo global pela conservação da biodiversidade, segundo diplomatas de diversas nacionalidades ouvidos pela reportagem.
Os países têm até outubro – quando acontece a COP-15 da biodiversidade, na China – para chegar a um novo plano global, já que o atual, assinado em 2011, termina este ano. Os objetivos são conservar áreas protegidas, evitar extinção de espécies e promover o uso sustentável dos recursos naturais, com apoio financeiro aos detentores de grandes reservas ambientais.
O primeiro rascunho do documento apareceu na última semana, em negociação que foi até o sábado (29) com diplomatas de 140 países reunidos em Roma. O Brasil – um dos maiores detentores da biodiversidade do mundo – não estaria parecendo estar interessado em um acordo global, segundo negociadores. O país teria se recusado a discutir questões técnicas e optado por trazer discussões que não estavam em negociação, usando linguagem agressiva e propostas absurdas – que chegaram a ser respondidas com risadas.
A reportagem conversou sob condição de anonimato com diplomatas de três países de diferentes regiões e dois representantes de ONGs internacionais que acompanharam as negociações na condição de observadores. Em todos os relatos colhidos, a atuação brasileira foi descrita como uma clara estratégia de distração, com constante desvio de atenção para questões que não estavam na mesa.
A radicalização dessa postura afastou países que costumavam ser representados pelos pronunciamentos brasileiros, como a Argentina, países africanos e grandes detentores de florestas. Os depoimentos também apontam falta de embasamento técnico e linguagem agressiva como motivos para o isolamento do Brasil.
A representação brasileira chegou a gerar risos em uma reunião ao insinuar que a biopirataria seria a principal ameaça das áreas protegidas – apesar dos dados alarmantes sobre degradação e desmatamento.
O ministro Leonardo de Athayde também foi duramente criticado por causar confusão ao levar para a mesa questões da negociação de mudanças climáticas, que não caberiam no acordo de biodiversidade. Athayde é negociador-chefe do Brasil nos dois temas.
Segundo o Itamaraty, a estratégia brasileira tem como objetivo conseguir mais recursos financeiros para a conservação. "Historicamente, o pilar de distribuição de benefícios tem sido negligenciado", diz nota do Itamaraty enviada à reportagem. "O objetivo é fazer que se caminhe para maior efetivação desse pilar, o que poderia assegurar recursos e transferência de tecnologia para países em desenvolvimento."
No entanto, os pares internacionais têm outras interpretações sobre a conduta diplomática do Brasil, vista como um sinal de pouco comprometimento com a conservação da biodiversidade. Na opinião de um dos negociadores de um país desenvolvido, a estratégia do Brasil seria pragmática e econômica. O país visaria, no curto prazo, evitar mais condicionantes ambientais para acordos comerciais.
O acordo comercial negociado entre Mercosul e União Europeia – colocado sob suspense desde a crise das queimadas na Amazônia – já menciona como condicionante o cumprimento do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, pelo qual o Brasil se compromete com o desmatamento ilegal zero.
Embora não acreditem que a atuação brasileira possa impedir a assinatura de um acordo pela biodiversidade no próximo outubro, os diplomatas temem que as intervenções do país atrasem o processo, evitando o alcance de consensos mais significativos – o que resultaria em um acordo fraco.