De 2002 a 2018, o desmatamento consumiu 200 mil quilômetros quadrados de floresta na Amazônia, o que equivale a duas vezes o território de Santa Catarina e a bem mais área do que a de países como o Uruguai ou a Inglaterra.
O número assusta, mas é apenas uma fração da cobertura florestal perdida no país. Os cinco séculos de história do Brasil têm sido, em grande medida, a crônica da destruição das nossas matas, a começar pela Mata Atlântica, que começou a ser explorada para a extração de pau-brasil e hoje conta com apenas 7% da dimensão original.
Expedições e colonização para a agricultura
As últimas décadas respondem por grande parte do estrago. Nos anos 1940, Getúlio Vargas iniciou a Marcha para o Oeste, que tinha como objetivo ocupar os grandes vazios do interior brasileiro. No final dos anos 50, Juscelino Kubitschek ordenou a construção de Brasília no meio do Cerrado.
A partir da década seguinte, os generais da ditadura militar estimularam a ocupação da Amazônia, movidos por preocupações geopolíticas.
Em meio a esse processo, milhares de pequenos agricultores gaúchos colonizaram vastas extensões de terra no meio-oeste brasileiro, avançando cada vez mais para o norte. Esse processo de expansão da Fronteira Agrícola, que levou à derrubada de zonas florestais, é uma espécie de avô dos incêndios que estão em curso na Amazônia neste momento.
— Começou no Cerrado, onde ainda está em andamento. Na Amazônia, o avanço do desmatamento se intensificou nos últimos 40 anos. Havia a preocupação do Estado brasileiro de ocupar a região e de defender as fronteiras. Isso levou à construção de grandes estradas, como a Belém-Brasília e a Transamazônica, à migração de grandes contingentes do Centro-Sul e do Nordeste e à oferta de incentivos, como distribuição de terra e crédito para a atividade agropecuária. Isso tudo ajudou o Brasil a aumentar e modernizar a produção agrícola, em que se tornou uma potência, mas foi feito com um custo ambiental — afirma Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
42 bilhões de árvores derrubadas
O resultado é que quase 20% da Floresta Amazônica foi destruída. Relatório feito em 2014 pelo Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) falava em 42 bilhões de árvores derrubadas e 763 mil quilômetros quadrados desmatados no período de quatro décadas. A área é equivalente a quase três vezes o território do Rio Grande do Sul. O número de árvores perdidas representa 2 mil por minuto, de forma ininterrupta.
Na última década, o Brasil havia se tornado um modelo internacional de preservação, por ter conseguido inverter o processo: o país diminuiu o desmatamento em 80% no período de 2004 a 2012. Depois disso, voltou à tendência de aumento, e já há previsões de que 2019 não será diferente. Existe o receio de que a retórica e a política ambiental do governo Jair Bolsonaro possam ter estimulado a ação dos desmatadores.
Segundo Paulo Moutinho, existem três perfis de pessoas que costumam desmatar. O primeiro deles é o de proprietários rurais conscientes, que respeitam as leis e só promovem derrubadas com autorização de órgãos ambientais. Depois, há os proprietários que derrubam sem autorização, de forma ilegal, em geral para pastagem.
Por fim, há o grupo que mais tem crescido e que se acredita estar por trás de grande parte dos incêndios que estão ardendo a floresta: o dos grileiros. Primeiro, eles derrubam áreas públicas e extraem a madeira. Mais tarde, quando o terreno está seco, colocam fogo. Por fim, tentam obter ou falsificar escrituras, criar gado no local ou vender a terra aos incautos.
— Eles estão roubando o patrimônio do povo brasileiro. Isso aumentou muito, porque eles têm a esperança de que vão ser anistiados — diz o pesquisador.
Desmatamento preocupa também empresários do agronegócio
Há hoje um descontentamento em relação a isso por parte do próprio agronegócio. Grandes produtores, muitos dos quais se beneficiaram do desmatamento no passado, estão agora percebendo que a continuidade da destruição pode ser fatal para os negócios — porque anteveem um boicote à produção brasileira pela comunidade internacional e também porque é o regime de chuvas propiciado pela Amazônia que sustenta a irrigação das lavouras nacionais.
Um símbolo do setor, o megaprodutor de soja e ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi assumiu o discurso da proteção ambiental. Em 2005, quando era governador do Mato Grosso, ele chegou a ganhar o "prêmio" Motosserra de Ouro, concedido pelo Greenpeace, por sua contribuição para o desmatamento. Nos últimos dias, tem insistido na necessidade de proteger a Amazônia. Nesta sexta, em entrevista à Rádio Gaúcha, atacou a "banda podre", que considera responsável pelos incêndios:
— Normalmente, são grileiros, pessoas que não obedecem à lei e veem uma possibilidade de fazer isso porque houve uma flexibilização. Não mudou a legislação, mas mudou a percepção. Há uma preocupação no mundo todo de que o Brasil não está cuidando da Amazônia, o que poderá trazer muito prejuízo. Temo muito boicote ao Brasil vindo de fora. Não somos uma ilha. Precisamos prestar atenção no caminho que o mundo anda. Temos de dizer: vamos cuidar da Amazônia. E os produtores precisam assumir o compromisso de que não estão vendendo produto que veio de área desmatada ilegalmente.
Paulo Moutinho identifica uma tendência de os líderes do agronegócio cada vez mais posicionarem-se contra os desmatamentos e tratarem de se distanciar dos grileiros.
— Há uma preocupação verdadeira deles, porque atinge os negócios. A esperança é essa.
Segundo o pesquisador, o processo de desmatamento deixou um total de 15 milhões de hectares abandonados ou subutilizados, porque não houve investimento ou recuperação do solo, o que seria o suficiente para promover a expansão agrícola sem a promoção de novas derrubadas.