Congelar, encarangar, tiritar, renguear, enregelar, encaramelar — refestele-se em uma fartura de verbos para tentar traduzir em palavras o frio que vem trincando o Estado e deve inclusive se intensificar até, pelo menos, domingo (7). A atual massa de ar polar em ação sobre a porção sul do continente americano teve origem na Antártica e só é comparável, em tempos recentes, à ocorrida seis anos atrás, em julho de 2013, que também avançou pelo Brasil.
Os efeitos desse sistema de alta pressão atmosférica, com ventos que giram no sentido anti-horário, devem ser sentidos até a região norte do país — os acrianos terão de providenciar um casaquinho para se abrigar dos 15°C das manhãs do próximo final de semana, de acordo com a Somar Meteorologia.
Apesar do espanto generalizado frente aos termômetros — e há nas redes sociais uma avalanche de imagens com registros de temperatura e sensação térmica de apenas um dígito, muitas vezes abaixo de zero —, um frio dessa magnitude não é anormal para o inverno gaúcho. Em geral, esses sistemas se formam no Oceano Pacífico, passam pela Cordilheira dos Andes e se afastam na direção do Oceano Atlântico — este é o frio clássico, define a meteorologista Carine Gama, da Somar.
A diferença agora é que essa massa de ar não se moveu tão rápido rumo ao mar e ainda está sobre o continente, daí a explicação para o período mais longo com dias tão gelados. O centro de alta pressão está na Argentina, mas a intensidade é tão grande que o forte impacto se estende até aqui.
— É uma intensa massa de ar polar mesmo. Pense num círculo, como se fosse um relógio girando no sentido anti-horário: o frio vem de baixo e vai para cima — descreve Carine.
São previstas temperaturas abaixo de zero em várias cidades do Rio Grande do Sul nos próximos dias. O pico desta onda fria deve acontecer nas manhãs de sexta-feira (5) e, especialmente, sábado (6), quando há uma série de negativas à vista: -4°C em em São José dos Ausentes e Vacaria, -3°C em Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Canela e Farroupilha, -2°C em Erechim, Passo Fundo e Soledade e de -1°C a -2°C em Cruz Alta, Santa Rosa e Santiago.
Na madrugada desta quinta-feira (4), a mínima aferida pelas estações automáticas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) foi de 1,5°C negativos em São José dos Ausentes, Vacaria e Quaraí. A sensação térmica — que oscila de acordo com a combinação de três fatores: temperatura, vento e umidade — ostentou números bem mais baixos: -6,4°C em Cambará do Sul, onde a temperatura atingiu -1°C, e Dom Pedrito, com temperatura de -0,8°C. Porto Alegre marcou mínima de 4°C e sensação térmica de 0,1°C.
— A sensação térmica varia em pontos diferentes de uma mesma cidade. Há microclimas _ explica Carine.
Também na madrugada de quinta, geou em todas as regiões (não foi a primeira ocorrência deste inverno), em localidades como Bom Jesus, Caxias do Sul, Encruzilhada do Sul, Lagoa Vermelha, São José dos Ausentes e Santa Maria. Deve haver geada de maneira generalizada até domingo no Estado. Os pré-requisitos para que essa camada congelada de orvalho se forme são céu aberto, baixa temperatura e vento fraco, abaixo de 10km/h.
De acordo com a Somar Meteorologia, há previsão de neve para as regiões serranas do Estado — com possibilidade até para o Noroeste — na noite de sexta-feira e na madrugada de sábado. Por enquanto, as condições climáticas se mostram propícias para a queda dos flocos tão aguardados pelos entusiastas da estação e pelos turistas: uma frente fria que está se formando no Atlântico colabora para o aumento da umidade e vai se combinar com as baixas temperaturas já em vigor.
Há perspectiva de algum alívio a partir de segunda-feira (8) — continuará frio no Rio Grande do Sul, mas as mínimas não devem mais ser negativas. Cidades que tiveram de encarar um ou dois graus abaixo de zero passarão para três ou quatro na parte positiva do termômetro. A elevação da temperatura passará, então, a ser gradual. Em meados da semana que vem, as mínimas tendem a ser em torno de 8°C na maior parte do Estado.
— Aí, então, as temperaturas voltam a ser próximas do que estava sendo registrado na semana passada — antecipa Carine.
Especialistas em clima chamam a atenção para a atuação do fenômeno El Niño neste ano. Trata-se do aquecimento anômalo das águas do Pacífico na região equatorial. A área específica que provoca influência sobre o Brasil fica próxima ao Peru. Com correntes voltadas para o Sul, ocorre mais chuva na região Sul do território brasileiro e seca nas zonas mais centrais. As temperaturas, por sua vez, elevam-se acima do normal, mas há brechas para a entrada de ondas de frio, como a que se observa atualmente.
— Pode ter uma massa de ar frio tão forte como esta na virada de julho para o início de agosto. Mas, no geral, as temperaturas ficam dentro da média ou levemente acima da média, como um ou dois graus — comenta a meteorologista.