A ideia do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de rever a taxa cobrada para visitar praias do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, classificada por ele como um "roubo", causou reação de nativos, moradores, donos de pousada e comerciantes do arquipélago.
Na ilha, onde Bolsonaro venceu a eleição nos dois turnos, as opiniões são divididas. Há quem reconheça o valor abusivo do ingresso e também a necessidade da cobrança para manutenção das praias e melhoria das estradas e trilhas de acesso.
Dono de uma pousada em Noronha, Ivan Costa diz que, antes de debater cobrança de ingresso para praias da ilha, deve-se focar na infraesturura básica.
— Noronha, ao contrário do que pensa o presidente, não é lugar para ter turismo de massa. Somos referência mundial em preservação — diz.
Costa alega que, na ilha, há problemas crônicos, por exemplo, de esgoto e abastecimento d'água.
— O aeroporto é horrível. Se chegar dois voos, fica um caos. Gente sentada pelo chão. A taxa regula, de certa maneira, o número de pessoas. Não adianta falar que é contra e não apresentar solução — argumenta.
Leonardo Veras, responsável pelo museu do Tubarão, onde também funciona um restaurante, defende de imediato a viabilização de um estudo técnico para garantir investimento no arquipélago.
Ele lembra que não faz parte da nossa cultura cobrar para entrar em praias:
— É uma questão bastante polêmica. O acesso à praia é público e livre. Não faz parte da nossa tradição. Nunca foi feito um estudo profundo sobre isso.
Para Veras, o mais importante, independentemente de se cobrar ou não, é definir, a partir de um planejamento, quem vai pagar pela manutenção do parque.
— É o governo federal cobrando ingresso? Parte ingresso, parte governo? A polêmica foi gerada. Que se resolva — diz.
Em vídeo publicado na noite de sábado (13) em redes sociais, o presidente cita o valor dos ingressos para turistas brasileiros (R$ 106) e estrangeiros (R$ 212) visitarem o parque — o bilhete vale por 10 dias.
— Isso explica porque quase inexiste turismo no Brasil — disse.
A EcoNoronha é a empresa responsável pela administração do parque marinho desde 2012. Até agora, após vencer a licitação, foram investidos R$ 15 milhões no parque. Só no ano passado, a empresa arrecadou R$ 9,6 milhões.
— Em um ponto eu concordo com o presidente. Acho um absurdo se cobrar preços diferenciados para estrangeiros. Isso é preconceituoso. Já pensou se fazem isso com brasileiros lá fora? — comenta Ivan Costa.
Nascida e criada em Fernando de Noronha, Lusineide Strimbeanu, 57 anos, concorda com a cobrança, mas acha o valor abusivo.
— Acho tudo bem se cobrar a taxa, mas esse valor é abusivo. Tem que ser um pouco mais baixo — defende.
Mergulhador do arquipélago, Erivaldo Alves da Silva, conhecido como Nego Noronha, sobrevive vendendo polvo para restaurantes do local.
— Se não tiver a taxa, vira bagunça isso aqui. Sou nascido e criado em Noronha há 41 anos. Posso dizer que as praias estão mais limpas e o acesso bem melhor — avalia.
A taxa é cobrada desde 2012. Segundo o ICMBio, braço do Ministério do Meio Ambiente responsável pela conservação de fauna e flora, 70% do valor do ingresso é usado em melhorias diretas do parque nacional (como sinalização e manutenção de trilhas).
Foram instaladas lojinhas e catracas nas praias do Sancho, Leão e Sueste. De maneira geral, os moradores reconhecem que o acesso a estes locais estão melhores do que antes da cobrança.
Visitantes de Noronha pagam ainda uma taxa de preservação ambiental de R$ 73,52 por dia (administrada pelo governo de Pernambuco), com teto de um mês.
Recorde de visitantes em 2018
Nem isso nem os altos preços das pousadas na ilha, contudo, parecem ter inibido o movimento: o arquipélago registrou novo recorde de visitantes em 2018, tendo recebido 103 mil pessoas – 70% acima do que recebia até 2013.
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), comentou o posicionamento do presidente:
— Ele fez um comentário em cima de uma taxa federal. Ele administra isso aí. Se ele acha que está inadequada, cabe ao presidente da República tomar as providências.
O estudo mais recente da capacidade turística do parque, feito em 2009, põe como limite 89 mil visitantes por ano no arquipélago. O governo de Pernambuco, contudo, vem ampliando ano a ano a autorização de voos diários para Noronha.
O arquipélago registrou novo recorde de visitantes no ano passado, chegando a 103 mil pessoas. Até 2013, o número não havia ultrapassado a casa dos 60 mil.
A Administração Distrital de Fernando de Noronha informou, por meio de nota, que realiza a cobrança da Taxa de Preservação Ambiental (TPA) exclusivamente a visitantes da ilha, assegurando a isenção de tributos aos cinco mil habitantes.
Esses recursos são revertidos para preservação de Fernando de Noronha, que é patrimônio mundial, na realização de obras de infraestrutura e na manutenção do serviços públicos.
Entre as realizações listadas pela administração para este ano estão a entrega de 26 habitações populares — agendada para este segundo semestre — e a requalificação do Porto de Santo Antônio.
A TPA também garante os serviços de limpeza urbana, coleta de lixo, conservação da malha viária e no custeio da Centro Infantil Bem-Me-Quer (creche), da Escola de Referência Arquipélago Fernando de Noronha e do Hospital São Lucas.