No dia mais frio do ano na cidade mais fria do Rio Grande do Sul, um carioca entra num hotel. É meio da tarde de sexta-feira (5) em São José dos Ausentes, e o sol brilha no céu totalmente azul, mas a temperatura está apenas uns ralos graus acima de zero. O carioca, tremelicante, trajando só moletom por cima de uma camiseta — a roupa mais quente que trouxe — aproxima-se do balcão e pergunta:
— Tem um quarto?
A mulher da recepção responde que não, que está tudo lotado por causa dos turistas que vieram na esperança de ver neve.
— Se não encontrar nada, vou ter de dormir no carro — assusta-se o viajante.
O carioca é o engenheiro civil Rômulo Ferreira da Silva, 26 anos, que deixou o Rio de Janeiro uns dias atrás, com tropicais 36°C, para prestar serviços na estrada de acesso a uma torre de telefonia de Ausentes, trabalho que vai executar neste sábado (6). Ele sabia que faz frio no inverno gaúcho, mas não que era tanto nem que estaria na localidade mais gelada do Estado, no dia mais gelado do ano. Na sexta pela manhã, a temperatura caiu a -1,6°C na cidade, a menor marca em território rio-grandense. A máxima do dia ficou em 3,2°C.
Até então, os maiores frios que Rômulo havia enfrentado na vida haviam ocorrido em Florianópolis e no Espírito Santo. No Rio, quando chega a 18°C, já se apavora e se encasaca todo. Ontem, à medida que ia subindo para os Campos de Cima da Serra a partir do litoral catarinense, notou que já não dava para manter a janela do carro aberta e que a situação ia ficando cada vez mais enregelante. Quando soube que a previsão para este sábado é de muito mais frio, talvez -4°C, os lábios tremeram num espasmo incontrolável e as feições demonstraram pavor.
— Deus me livre! — reagiu.
Sucesso entre turistas e moradores
Enquanto o carioca revelava seu sofrimento com as circunstâncias que o levaram inadvertidamente ao epicentro de uma onda de frio inclemente, outros circulavam pela cidade com a intenção deliberada de viver situações congelantes, caso da comerciante Cíntia Domingues, 43 anos, que foi de Gravataí aos Aparados para comemorar seu aniversário de 43 anos.
— Nasci em 5 de julho. Vou fazer o quê? É frio. A gente gosta — disse.
Cíntia estava acompanhada da mãe, do marido e dos dois filhos. A caçula, Isadora, 10 anos, não parava quieta, de frio e de excitação:
— Todo mundo já viu neve, menos eu. Queria ver neve, e viemos para cá porque é o lugar mais frio. Mas, quando cheguei, vi que não ia nevar, mas nesta noite (sexta) vai, porque está muito frio. Eu sofro, mas é legal e divertido estar aqui.
Não muito longe de onde a família tirava fotos junto ao termômetro diante da igreja, Mônica Sávio, 34 anos, desfrutava de uma brilhante estratégia para manter-se aquecida. Natural do litoral catarinense e moradora de Ausentes há 20 anos, ela nunca se acostumou com os invernos rigorosos e diz que se pergunta todos os dias o que levou a mãe a decidir pela mudança para um lugar tão gélido.
Quem circulasse pela rua principal da cidade na tarde desta sexta e olhasse para a vitrine da loja de lãs e cobertores de Ausentes, depararia com Mônica colada ao vidro, no papel de um inusitado manequim, corpo estendido sobre duas cadeiras colocadas frente a frente. É que o sol batia em cheio na vitrine, criando ali o microclima mais gostoso da Serra Gaúcha. Mônica aproveitava, imóvel, vestida com touca, calça felpuda e espalhafatosas pantufas em forma de cachorro.
— Estou ridícula, toda encarangada, mas está bem quentinho — comemorou.