Em um quarto frio da Universidade Temple, na Filadélfia, fragmentos de coral do tamanho de dedos são banhados em pequenos tanques com água salgada. Os esqueletos brancos parecem mortos ou branqueados, mas na verdade não estão. Animais saudáveis residem dentro destes corpos duros. Alguns até agitam seus tentáculos que saem dos orifícios das hastes retorcidas do coral.
Chegar até aqui não foi fácil. Eles foram retirados de recifes a 300 metros de profundidade no Golfo do México e então abrigados dentro de uma van especial e refrigerada que viajou de navio antes de ser entregue no meio da noite para o laboratório. Quando a van quebrou, alguns ficaram em um cocho frio. Eles foram até embalados em potes de vidro mergulhados em gelo. Nem todos os frascos sobreviveram, mas os corais sim.
Até hoje, estavam sendo mantidos por quase um ano em outro tanque projetado para imitar as condições de seu ambiente natural. Um quarto refrigerado mantém sua água em 8ºC, enquanto bombas fornecem dióxido de carbono, o que faz com que a água se torne ácida em um nível que a maior parte das outras criaturas marítimas não poderia tolerar. Para evitar o estresse, os corais são monitorados minuciosamente por estudantes que os alimentam com pipetas, como aves cuidando de seus filhotes.
Alexis Weinnig, aluna de pós-graduação do laboratório que iniciou os corais nessa empreitada, disse que eles estão felizes hoje, mas ficam ainda mais felizes em seu tanque em casa – em seguida, pediu desculpas por fazê-los soar como humanos.
"Nós realmente investimos neles. E daí os matamos", disse ela.
Humanos são muito bons em matar corais. Nos últimos 30 anos, a pesca excessiva, a poluição e as alterações climáticas acabaram com quase a metade dos recifes de águas rasas do planeta.
Mas pouco se sabe sobre o impacto dos seres humanos sobre os recifes no fundo do mar, onde os corais de água fria contabilizam quase dois terços de todas as espécies de coral. Acrescente as ameaças de perfuração em alto-mar e a pesca de arrasto e eles podem estar tão ameaçados quantos os de água rasa.
Os tentáculos que estão sendo estudados neste quarto frio são do Lophelia Pertusa. Estes "supercorais", que existem em abundância, constroem recifes enormes em águas frias ao redor do mundo, podendo chegar a mil metros abaixo da superfície. Eles apresentam tanta biodiversidade quanto os recifes tropicais e são o lar de serpentes do mar, polvos, tubarões, caranguejos e peixes.
Erik Cordes, ecologista especialista nas profundezas marítimas e que lidera o laboratório na Temple, descobriu que o Lophelia é a espécie que mais aguenta exposição a fatores estressantes provenientes de resíduos industriais e fatores climáticos, quando comparado a outros corais das profundezas marítimas – e em alguns lugares mais do que outros. Populações do Golfo do México sobrevivem em meio às condições mais adversas, perto do metano natural que escoa e em temperaturas ligeiramente mais quentes, com concentração de menor de oxigênio e níveis mais elevados de acidez. Eles podem se adaptar às mudanças, também.
Mas Cordes e Weinnig querem saber o quanto o Lophelia aguenta.
Os sobreviventes do jogo da morte de hoje serão candidatos a participar de esforços sem precedentes para restaurar o meio ambiente das águas profundas afetadas pelo derramamento de óleo da Deepwater Horizon em 2010. Seus resultados também ajudarão a informar esforços futuros na conservação de vastas áreas do mar profundo.
"O Lophelia é uma espécie de rato de laboratório", disse Cordes. É carismático, sobrevive em condições extremas e ainda assim, pode morrer face às mais leves mudanças.
"Agora que entendemos um pouco sobre como ele responde às alterações climáticas, queremos saber como responderá ao derramamento de petróleo e como reagirá a possíveis derramamentos sob alterações climáticas".
O maior derramamento de petróleo no mar da história
Quando a plataforma de perfuração Deepwater Horizon explodiu no Golfo do México, em 2010, centenas de milhões de galões de petróleo e gás jorraram de seus poços a quase 1,5 quilômetro abaixo da superfície. Cerca de cinco por cento desse derramamento acabaram no fundo do mar.
Para quebrar o óleo de maneira mais rápida, 700 mil galões de um dispersante químico foram logo injetados sobre o poço. Esse detergente industrial, que só fora utilizado antes na superfície, quebrou as moléculas de óleo e resultou em um produto ainda mais tóxico.
A explosão e suas consequências mataram 11 pessoas, acabaram com a pesca e dizimaram ecossistemas costeiros e marinhos, incluindo corais de águas profundas, que foram encontrados mortos ou morrendo a quilômetros de distância do poço.
Desde 2010, Cordes e outros cientistas trabalham para entender o papel que os hidrocarbonetos do acidente e o escoamento de gás natural desempenham nos recifes de coral e em outros ecossistemas do mar profundo.
Descobrir se as mudanças climáticas estão alcançando níveis ainda mais profundos poderia causar o enfraquecimento das habilidades de resistência do Lophelia. Weinnig tem exposto os corais a várias combinações de estresses – temperatura e pH elevados, óleo e dispersantes – além de monitorar a resposta dos animais e sua recuperação.
No experimento de hoje, seis tipos diferentes de Lophelia do Golfo do México, enfrentarão petróleo, dispersante químico e uma combinação dos dois. É esperado que cada tipo responda diferentemente a tais estímulos.
De volta à sala fria, Weinnig começa anotando a pontuação de saúde dos corais (todos saudáveis) e observando o pH e a temperatura da água.
Então, ela seleciona fragmentos de coral de cada tanque e os congela rapidamente com nitrogênio líquido. Irá repetir o processo a cada passo para avaliar a saúde dos corais em resposta às mudanças em seu ambiente ao longo do tempo.
De volta à sala fria, há três béqueres contendo água do mar misturada com o mesmo petróleo e dispersante liberados no derramamento da Deepwater Horizon. Os corais parecem translúcidos, até que Weinnig os coloca em um conjunto de tanques de exposição.
O tanque que recebe o petróleo adquire um brilho e um perfume de estrada. O tanque com o dispersante fica enevoado.
Ela remove os corais remanescentes de seus tanques limpos e os coloca nos tanques de exposição – e espera.
Em 24 horas, o efeito de cada exposição será avaliado. Então ela coloca os corais remanescentes em tanques de recuperação com água potável para ver como eles se saem nos dias que virão – porque no oceano real, alguns corais podem se recuperar.
Pela extração de ácido ribonucleico, ou RNA, das amostras congeladas, será possível ver quais genes são ativados e desativados, com a comparação feita entre diferentes tipos de corais. Isso vai dar uma ideia dos Lophelias mais e menos resilientes.
"Estamos tentando descobrir o que o torna poderoso. Não dá para simplesmente olhá-los e saber. Os corais não usam capas de super-herói", disse Cordes.
Leva algumas horas para ver quais não são definitivamente superpoderosos: no tanque em que foram expostos ao dispersante, alguns fragmentos já cospem suas entranhas (ou filamentos). Alguns outros produzem muco em excesso, como os humanos quando estão doentes.
Nada de especial parece acontecer nos tanques de controle, no tanque com petróleo e onde há a combinação do dispersante com o óleo, o que reflete o que Weinnig tem encontrado ao longo desses experimentos.
Ela descobriu que, independentemente da temperatura ou acidez, o dispersante afeta o Lophelia. Esses corais podem se recuperar da exposição após rápidas 24 horas em temperaturas regulares, mas ficam piores e têm que se esforçar mais se as temperaturas estão elevadas.
Os outros fatores de estresse, incluindo o aumento da acidez, não parecem incomodar muito os corais, sozinhos ou combinados. Alguns corais parecem até investigar o petróleo com seus tentáculos. Por mais doentes que os corais tenham ficado, em qualquer condição, apenas dois fragmentos morreram – aqueles que estavam no tanque com temperaturas elevadas e dispersante químico.
Isso sugere que, enquanto o Lophelia tem capacidade de se recuperar de um derramamento de petróleo e de se limpar nas condições climáticas atuais, lidar com um acidente ambiental em um oceano mais quente no futuro pode ser demais até mesmo para este supercoral. Dispersantes menos tóxicos que existem, mas que não são amplamente utilizados, podem causar menos estresse no caso de um desastre futuro.
"A maioria das espécies consegue lidar com um ou outro fator estressante. Mas quando você realmente começar a acumular essas coisas, a recuperação se torna mais difícil – assim como acontece com as pessoas", disse Cordes.
Os riscos de rejeição
O próximo passo para o Golfo é a restauração – algo novo no fundo do mar.
O laboratório e seus colaboradores estão considerando coletar de seu habitat natural segmentos do Lophelia que se mostraram mais fortes nessas experiências das populações ainda saudáveis. Eles poderiam, então, propagá-la no laboratório e transplantá-la para construir novos recifes onde os antigos se perderam. Mais para frente, há a possibilidade de usar edição genética para tornar os corais mais fortes.
Porém, a restauração por meio de supercorais não é tão simples, disse Ruth Gates, ecologista marinha no Instituto de Biologia Marinha do Havaí. "A realidade é que não sabemos se vai funcionar, tanto superficialmente quanto nas profundezas do mar", disse ela.
O laboratório de Gates está usando a evolução assistida para desenvolver corais que consigam acompanhar o crescente aquecimento de águas rasas. Essa abordagem de restauração significa encontrar os indivíduos mais fortes e reproduzi-los, mas também treiná-los para que se acostumem a certos fatores estressantes ou fortalecer os micróbios de apoio, como as algas que vivem em seus tecidos.
Cada ecossistema de recife é um pouco diferente: certos problemas requerem corais com superpoderes. Gates diz que a restauração de recifes de águas profundas ameaçadas pela perfuração será um desafio, porque os ecossistemas ainda são mal compreendidos e de difícil acesso, além do alto custo envolvido.
"Mas é tudo pela sobrevivência do mais apto em longo prazo, então, escolher os indivíduos mais aptos para esta restauração faz sentido. Essas abordagens funcionarão? Acho que não saberemos até tentarmos e avaliarmos as evidências", disse ela.
Cordes preocupa-se que o Lophelia, que leva uma eternidade para crescer, não amadurecerá de maneira rápida o suficiente ou não se sairá bem em novos habitat. E ele se preocupa que, durante o processo de transplante, a retirada de alguns corais de recifes saudáveis causaria mais danos do que bem.
Se os recifes sofrerem e os transplantes não crescerem em outro lugar, então "a rede total poderia se tornar menor do que quando começamos", disse ele.
Se os cientistas se decidirem por essa solução, acrescenta ele, a restauração começará com pequenos estudos pilotos, antes que se embarque em qualquer empreitada real de grande escala.
Mas nos locais onde a perfuração em alto-mar irá ser expandida ou iniciada pela primeira vez, essa pesquisa pode ajudar a evitar danos, incentivando os operadores a estabelecer ou mover seus equipamentos para longe de recifes a fim de evitar impactos potenciais. Em uma distância suficientemente grande, nem os acidentes poderão causar efeito – sobre os corais ou sobre seus habitantes, disse Cordes.
Isso não vai acontecer no Golfo, onde os recifes de mar profundo são tão abundantes que delinear os limites em torno deles faria uma indústria, da qual muitas pessoas dependem, encerrar suas atividades. Mas Cordes e outros cientistas defendem a tentativa de abordagem em outro lugar, mesmo que seja difícil mudar as políticas.
O fato de esses animais carismáticos e longevos chamarem atenção na superfície lhe dá esperança.
"Há algum tipo de sentimento inerente que diz que eles devem ser protegidos. Eles também estão nas águas profundas e fazem muitas coisas iguais aos recifes de água rasa, por isso devemos nos preocupar em protegê-los também", concluiu Cordes.
Por Joanna Klein