A situação caótica que a Cidade do Cabo enfrenta já ocorreu, de forma mais branda, em outras áreas urbanas pelo mundo. A Itália enfrentou, em 2017, uma das maiores secas dos últimos 60 anos, a ponto de centenas das icônicas fontes espalhadas nas ruas serem desligadas. A Califórnia, nos Estados Unidos, enfrentou durante cinco anos uma seca que se encerrou no ano passado. A China e sua capital, Pequim, também lidam com a falta de água – o país concentra 21% da população mundial e 7% de água fresca do planeta.
No Brasil, 55,7 milhões de brasileiros já foram afetados por secas e inundações entre 2013 e 2016, segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA) divulgado em dezembro. O Nordeste lida com seca há seis anos seguidos, a maior do último século – Fortaleza pode enfrentar racionamento se a situação não melhorar. Brasília (desde 2017) e São Paulo (entre 2014 e 2015) também já depararam com falta de água.
Jerson Kelman, presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), chegou a alertar no fim do ano passado ao The Guardian que, se o desmatamento na Floresta Amazônica continuar, choverá menos no sudeste brasileiro, em um fenômeno conhecido como "evapotranspiração", quando árvores e plantas perdem água por transpiração. Já a estiagem atinge o Rio Grande do Sul, e 20 municípios decretaram situação de emergência por conta disso – Bagé e Hulha Negra enfrentam racionamento.
— As pessoas acham que o Brasil é a maior reserva de água do mundo e por isso não vai faltar. Mas é uma questão de escala. Há regiões sem acesso à água não só no interior do Nordeste. Sem querer ser alarmista, mas falta de água como na Cidade do Cabo pode, sim, afetar outras cidades, pequenas e grandes, se não forem feitos investimentos para preservar córregos, nascentes e matas ciliares. O racionamento ocorre pela falta de chuva, mas também pela má gestão dos recursos hídricos, o que envolve armazenamento, distribuição e uso da água — diz Fernando Tangerino Hernandez, professor de irrigação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), concordando que o desmatamento na Floresta Amazônica pode acentuar a seca no Sudeste e no Centro-Oeste.
O climatologista Carlos Nobre, autoridade brasileira em mudanças climáticas e fundador da Rede Clima, compara a seca na Cidade do Cabo àquela que ocorreu em São Paulo, ressalvando que a cidade brasileira é mais úmida. Ele diz que a falta de chuvas na África do Sul pode ter sido afetada pelo aquecimento global, mas observa que são necessárias mais pesquisas para confirmar a tese. E diz que o cenário de lá já não é tão distante daqui.
— Se São Paulo tivesse seguido com a seca, teria enfrentado o mesmo que a Cidade do Cabo. Isso já ocorre no Nordeste: se a seca no semiárido continuar pelo sétimo ano seguido, a Grande Fortaleza estará na iminência de entrar no mesmo colapso. O que sabemos é que o aquecimento global aumenta a frequência de fenômenos extremos como esse — afirma.
Curiosidades
*A média de chuva anual na Cidade do Cabo é de 490 mm – metade da média mundial e cerca de um terço da média da cidade de São Paulo, onde chove cerca de 1.500 mm ao longo do ano.
*Enquanto isso, o consumo de água na Cidade do Cabo era de 235 litros por pessoa diariamente, antes do racionamento – a média mundial per capita é de 173 litros diários.
*Atualmente, a população da Cidade do Cabo deve consumir 50 litros por dia (per capita) sob pena de multa.