Durante a viagem de 16 horas, saindo da Louisiana, nos Estados Unidos, Bo olhava pela janela, absorvendo a paisagem, cochilando e relaxando. Ele viajava com cinco outros chimpanzés machos do Centro de Pesquisa New Iberia, em Lafayette, Louisiana, onde eram parte de uma colônia de quase 200, usados em pesquisas biomédicas e outras. Durante o trajeto, alguns guinchavam, inquietos e incomodados, menos Bo.
— Ele é o melhor — disse o motorista do caminhão.
Os animais chegaram ao Project Chimps, um santuário no extremo sul das Montanhas Blue Ridge, cerca de 160 quilômetros ao norte de Atlanta, às 6h30 em maio passado. Quando os funcionários começaram a abrir o caminhão e a levar as gaiolas dos chimpanzés para dentro das instalações, seus ocupantes gritavam, ansiosos e inseguros em relação ao que estava acontecendo.
A primeira jaula foi aberta em uma espécie de antecâmara, e um chimpanzé chamado Jason foi o primeiro a explorar sua nova casa, tomado pelo que parecia ser uma energia nervosa, passando pela pequena porta que dava para o grande habitat.
O espaço, chamado de vila, foi construído como uma gaiola de metal extremamente grande, com cerca de 140 metros quadrados e dois andares de altura, com plataformas em diferentes níveis.
Jabari, o segundo a aparecer, lentamente se juntou a Jason na exploração do novo recinto, mas se mantiveram afastados um do outro. Lance foi o terceiro, hesitante em deixar a pequena antecâmara. A equipe esperou meia hora para que criasse coragem.
Então, na esperança de encorajar o símio, decidiram trazer Bo, o chimpanzé dominante do grupo.
Bo caminhou com as patas dianteiras no chão, casualmente e com confiança – gingando, pode-se dizer –, e entrou no grande recinto. Lance imediatamente o seguiu. E então começaram os abraços em grupo.
Eddie e Stirlene, os dois últimos, chegaram para mais abraços. O alívio e a felicidade do grupo eram tão contagiantes que todos os seres humanos sorriram. Os chimpanzés se beijaram e seguraram os genitais um do outro.
— Esse é um comportamento normal, tranquilizador — disse Jen Feuerstein, a administradora no santuário.
Bo estava lá, e tudo estava bem.
Era da pesquisa com chimpanzés acabou
Com o tempo, provavelmente tudo ficará assim: a era da pesquisa biomédica em chimpanzés nos Estados Unidos efetivamente acabou. Dados os quase 100 anos de experiências com esses animais, as mudanças ocorreram de modo aparentemente rápido uma vez que começaram.
Em 2011, o diretor do Instituto Nacional de Saúde (NIH), Francis Collins, declarou que a instituição não financiaria nenhuma nova pesquisa biomédica que usasse chimpanzés, que descreveu como "nossos parentes mais próximos no reino animal" merecedores de "consideração especial e respeito".
Seus comentários, além de óbvios, foram impressionantes. Jane Goodall, a famosa primatologista, e outros já haviam mostrado ao mundo a riqueza da inteligência e da e vida social dos chimpanzés; a biologia molecular revelou que os seres humanos e os chimpanzés compartilham 98 por cento do DNA, mas o meio científico biomédico sempre enfatizou a importância de pesquisas em animais.
A decisão de Collins reflete preocupações éticas entre os cientistas em relação ao tratamento desses animais sociais e inteligentes, mas, na prática, cuidar de chimpanzés é caro, e eles nem sempre são um bom modelo para se estudar doenças humanas. Além disso, também são um ímã da preocupação pública.
Até 2015, o NIH passara por vários estágios do processo de decisão e concluiu que aposentaria todos os chimpanzés que possuísse, não deixando um sequer para um potencial uso de emergência – no caso de uma epidemia humana, por exemplo. A agência possui cerca de 220, sem contar os que agora estão em santuários, e sustenta outros 80, que também serão aposentados.
Neste ano, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem classificou todos os chimpanzés como ameaçados de extinção, acabando com uma isenção antiga para aqueles em cativeiro, que poderiam ser usados em experimentos biomédicos. A decisão colocou esse tipo de pesquisa na ilegalidade, caso não houvesse uma licença dizendo que experiências específicas beneficiariam os chimpanzés. O financiamento privado para a pesquisa médica também foi efetivamente banido.
Quase 547 chimpanzés ainda se encontram em instituições de pesquisa, de acordo com o ChimpCARE, um site que rastreia todos os exemplares nos Estados Unidos. Alguns deles pertencem ou são sustentados pelo NIH, e outros são de institutos de pesquisa como o New Iberia, que faz parte da Universidade da Louisiana, em Lafayette.
Os chimpanzés do governo estão sendo levados para Chimp Haven, um santuário em Keithville, Louisiana, onde terão uma vida social plena e espaço para andar ao ar livre.
Alguns críticos dizem que o processo tem sido desnecessariamente lento, mas o Chimp Haven e o NIH afirmam que as transferências estão ocorrendo mais rapidamente agora. O santuário aceitou 14 chimpanzés nos últimos dois meses e está à espera de mais antes do fim do ano.
O Chimp Haven, com uma equipe de 50 funcionários, mais de 200 chimpanzés e uma história de 30 anos, têm muita experiência no cuidado dos aposentados. Funcionários os mantêm em grupos mistos de vários tamanhos e monitoram cuidadosamente suas interações sociais.
Para impedir que tenham crias que precisariam passar toda a vida em cativeiro, o Chimp Haven faz vasectomia em todos os machos.
— Mas o procedimento pode falhar. Foi Conan quem nos ensinou isso — contou Raven Jackson-Jewett, veterinário no santuário.
Conan passou pelo procedimento, mas, de alguma forma, acabou se tornando pai de três, incluindo Tracy, agora com 10 anos, uma das favoritas dos visitantes. Jackson-Jewett disse que, por causa de Conan, o Chimp Haven aprendeu que a vasectomia nos chimpanzés falha mais frequentemente do que em seres humanos.
Os funcionários mudaram a técnica, refazendo o procedimento em cerca de 75 machos com um novo método e ainda não tiveram outra gravidez.
O santuário também aprendeu a cuidar dos indivíduos mais frágeis. Muitos animais de laboratórios foram infectados com HIV e hepatite para experimentos de vacinas, e alguns têm diabetes (não relacionado com as experiências).
Os santuários esperam que, no futuro, seu negócio chegue ao fim. Se tudo correr como planejado, em 50 anos ou mais, não haverá mais aposentados dos laboratórios, os atuais terão morrido e a era dos chimpanzés na pesquisa, que começou na década de 1920, será apenas uma lembrança.
Eles ainda estarão em jardins zoológicos e, segundo leis atuais, proprietários privados poderiam reproduzi-los, mas a demanda por sua utilização em pesquisa agora é zero, portanto, a reprodução em larga escala será improvável.
Dentro da comunidade de bem-estar dos animais, os elogios às decisões do governo de alguns anos atrás acabaram inevitavelmente sendo substituídos pelo reconhecimento da dificuldade de logística, da necessidade contínua de angariação de fundos e dos obstáculos ocasionais.
"Aprendi a ser muito paciente", disse em uma entrevista Laura Bonar, responsável pelo programa e pela política do Animal Protection, no Novo México. Bonar era uma das ativistas que trabalharam pelo fim desse tipo de pesquisa.
A paciência é útil mesmo no caso de chimpanzés como Bo, que foram transferidos. Em breve, talvez no final deste ano, Bo e seus companheiros no santuário vão deixar as gaiolas pela primeira vez em suas vidas.
Eles estão se saindo bem. Janie Gibbons, membro da equipe que cuida dos animais, disse que Bo continua a dar o exemplo – como fez recentemente quando o grupo encontrou algo que nunca havia visto antes. A primeira vez em que receberam tomates ficaram perplexos.
— Bo é muito corajoso e sempre é o primeiro a experimentar coisas novas. Ele pegou um e, meticulosamente, comeu primeiro a casca, depois a fruta — disse Gibbons.
Satisfeitos por perceber que os tomates eram seguros, os outros fizeram o mesmo, embora nem todos tivessem muita pressa: Jabari jogou seu primeiro tomate contra a parede, mesmo todos tendo se reunido em torno de Bo e prestado muita atenção enquanto ele comia a fruta estranha.
Agora, eles comem tomates como se fossem maçãs. E isso é o que o futuro promete para todos os chimpanzés: espaço aberto e tomates.
Mas vai levar algum tempo.
Por James Gorman