Entra feriado, sai feriado e a BR-386 continua a justificar seu pouco honroso apelido de Rodovia da Morte. Ano após ano ela se alterna entre o primeiro e o segundo lugares em número de acidentes fatais entre as estradas federais do Rio Grande do Sul.
Muito porque está entre as mais extensas, com cerca de 448 quilômetros – ela corta o território gaúcho do Centro ao Norte e, proporcionalmente ao tamanho, é a rodovia campeã em mortes.
Vários fatores contribuem para que a BR-386 seja perigosa. Um deles é que ela é tomada por caminhões, que escoam a safra de trigo (no inverno) e soja (no verão) do norte do RS rumo ao porto de Rio Grande. As carretas provocam lentidão no tráfego e, como menos de um quarto da rodovia tem pista dupla, motoristas apressados tentam ultrapassagens perigosas e acabam se acidentando.
A provável causa do acidente que matou seis pessoas na madrugada de sexta-feira (19), aliás, é justamente uma ultrapassagem perigosa. Os policiais que atenderam a ocorrência acreditam nisso porque o local do acidente (junto ao Parque das Tuias, no km 257) é um dos raros, na serra rumo a Soledade, que não tem curvas. É uma reta, antes de uma ponte.
As hipóteses levantadas pelos policiais (a partir de marcas de freada na pista) são, pela ordem: tentativa malsucedida de ultrapassar ou que um dos motoristas tenha dormido ao volante e invadido a pista contrária, colidindo de frente no outro veículo. Não foi localizado um terceiro veículo para comprovar se houve mesmo a ultrapassagem.
O trecho menos perigoso da BR-386 é o da Região Metropolitana. Isso porque de Canoas (onde ela termina) até Lajeado a estrada está duplicada, o que diminui em muito o risco de colisões frontais — as maiores causas de mortes em rodovias. A exceção é um pequeno trecho, uma ponte sobre o Rio Caí, que está em pista simples por uma obra que se arrasta desde 2016. De Lajeado até Iraí, na divisa com Santa Catarina, a rodovia é simples, com alguns pontos de pista ampliada nas subidas.
Por que é importante a duplicação? Para evitar batidas frontais.
— Quase todas as colisões graves ocorrem por ultrapassagem proibida ou em locais sem visibilidade. É óbvio que, se houvesse duplicação, haveria muito menos acidentes — avalia Alessandro Castro, chefe da comunicação da PRF no Rio Grande do Sul.
Com a concessão para uma empresa que vai explorar pedágios, a CCR, a duplicação dos trechos que faltam deve começar em 2021. No momento ocorre a elaboração do projeto, levantamento de interferências e licenciamento ambiental.
Os pedágios devem ser instalados antes de as obras começarem. Está prevista para fevereiro de 2020 a entrada em operação das quatro praças de cobrança na BR-386: em Montenegro, Paverama, Fontoura Xavier e Victor Graeff. O valor previsto é R$ 4,40 para carros, ajustável anualmente pelo IPCA.
A empresa prevê uma outra medida que pode reduzir acidentes, indiretamente. Para diminuir o sobrepeso de caminhões, devem ser construídas duas balanças: em Nova Santa Rita e Fontoura Xavier.
A concessão vai ajudar a diminuir danos, que proliferam desde o fim dos pedágios e representam uma das maiores causas de acidentes. Mas existem também problemas estruturais na BR-386, que não serão corrigidos com a duplicação. É o caso das curvas acentuadas, dos trechos em serras, de trevos mal projetados (com falta de acessos às cidades). Até por isso, em avaliação realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em 2017, a BR-386 foi a única considerada "regular" dentre as quatro estradas recentemente entregues para exploração de pedágios. A BR-101 tem conceito "bom", enquanto a freeway (BR-290) e a Rodovia do Parque (BR-448) são consideradas "ótimas".
Mesmo com duplicação e conserto, a 386 precisará de mais policiais. Hoje existem postos da PRF em Montenegro, Lajeado, Soledade, Sarandi e Iraí. O de Tabaí, um dos mais atarefados, foi fechado por falta de efetivo.
Trechos mais problemáticos da BR-386
- km 436, Nova Santa Rita: trevo complicado e muito movimentado, quase intransponível para pedestres.
- km 428 e 427 (entre Nova Santa Rita e Montenegro): afunilamento na ponte do Rio Caí. Obra de recuperação de trecho com risco de desabar transcorre desde 2016. A pista ali é simples.
- km 344 a 341, entre Estrela e Lajeado: buracos no trecho mais movimentado da rodovia. Tráfego intenso.
- km 308 a 300, entre Marques de Souza e Pouso Novo: serra perigosa. Vários trechos sem acostamento, que foi transformado em terceira pista. Quando um veículo estraga, fica sobre a pista.
- km 270 a 250, entre Fontoura Xavier e Soledade: subidas e descidas com pouco espaço para ultrapassar.
Fonte: Polícia Rodoviária Federal (PRF)
- De 20,3 quilômetros entre Marques de Souza e Lajeado entre 2021 e 2023
- De 5,1 quilômetros de Lajeado a Estrela, entre 2022 e 2023 (atualmente, o trecho é considerado multivia, pois ainda precisa receber a implantação de acostamentos e canteiro central, além de defensas metálicas para separação das pistas - e mais cinco quilômetros de faixas adicionais)
- De 25,6 quilômetros de Soledade a Fontoura Xavier, entre 2023 e 2024
- De 30,5 quilômetros de Tio Hugo a Soledade, entre 2024 e 2025
- De 54,9 quilômetros de Fontoura Xavier a Marques de Souza, entre 2026 e 2028
- De 34,6 quilômetros de Carazinho a Tio Hugo, entre 2029 e 2030
Acidentes mortíferos
Relembre alguns dos últimos desastres registrados na BR-386:
- 16 de maio de 2018 — uma morte e 21 feridos
Um acidente matou uma mulher e deixou 21 pessoas feridas na BR-386, em Soledade, no norte do Estado. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a colisão frontal ocorreu por volta das 6h30min no km 247 da rodovia e envolveu um carro e um micro-ônibus. Havia neblina no momento. O coletivo, com placas de Soledade, transportava professores e estudantes da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) e vereadores de Soledade para Porto Alegre. Na Capital, eles iriam se reunir com deputados para fazer reivindicações para a sede regional da Uergs.
- Natal de 2018 — quatro mortes
O mais grave acidente no feriadão de Natal de 2018 no Rio Grande do Sul foi uma colisão frontal entre um ônibus e um carro, que resultou em quatro mortes no km 171 da BR-386, em Carazinho, norte do Estado. O desastre ocorreu às 7h50min do dia 22. Um ônibus bateu num Gol com placas de Canoas. Morreram o motorista do automóvel e outros dois ocupantes do carro. Do ônibus morreu um passageiro.
- 13 de janeiro de 2019 — quatro mortes
Um acidente de trânsito com quatro mortos ocorreu no quilômetro 315 da BR-386, próximo ao local de acesso à cidade de Progresso. Entre as vítimas, estavam três homens e uma mulher - ela chegou a ser levada ao hospital, mas acabou falecendo mais tarde. Conforme informações da Polícia Rodoviária Federal (PRF), chovia forte na região quando uma caminhonete S10, com placas de Santiago, derrapou na pista. Sem controle, o veículo acabou colidindo lateralmente contra a parte frontal de uma carreta com placas de Lajeado.
- 7 de março de 2019 — três mortes
Um acidente de trânsito matou três pessoas no início da tarde na BR-386, no trecho de Canoas, na Região Metropolitana. A batida ocorreu no km 442 da estrada, perto do acesso à BR-448, a Rodovia do Parque. Três carros se envolveram na colisão - um Ford Ka, um Chevrolet Corsa e um Volkswagen Golf.
- 19 de abril de 2019 — seis mortes
Um acidente entre um Corsa, com placas de Pato Branco (PR), e um Tempra, com placas de Caxias do Sul, causou a morte de seis pessoas. A colisão ocorreu no km 257 da rodovia, em Fontoura Xavier. Cinco das vítimas eram da mesma família – eles viajavam para um velório na Serra gaúcha. A sexta vítima era o motorista do Tempra.