O primeiro sítio no mundo em que foram encontradas pegadas fossilizadas de dinossauros em conjunto com a arte rupestre de povos pré-coloniais foi identificado no Brasil. Conhecido como Sítio do Serrote do Letreiro, esse patrimônio arqueológico fica no chamado Vale dos Dinossauros, na cidade de Sousa, no sertão da Paraíba.
A existência das gravuras feitas milhões de anos após a extinção dos dinossauros pode indicar que essas populações reconheceram esses registros fósseis e os assimilaram em seus desenhos e sua expressão simbólica.
No Serrote do Letreiro foram registradas pegadas de dinossauros terópodes, saurópodes e ornitópodes de aproximadamente 140 milhões de anos atrás. Destes, os vestígios dos dois primeiros grupos foram encontrados lado a lado com as artes rupestres dos povos pré-coloniais, jamais sobrepostas pelos desenhos e sem que tenham sofrido qualquer alteração por parte daquela população.
Para os autores do artigo, ainda que não tivesse a compreensão do que haviam sido os dinossauros, extintos milhões de anos antes, aquele agrupamento humano percebeu tais marcas como pegadas e com elas interagiu de modo intencional, possivelmente por suas semelhanças com as das emas — maior ave do Brasil. O significado das gravuras ainda é desconhecido.
— Eles claramente notaram essas estruturas, desenharam preferencialmente no entorno delas, mas nunca sobre elas. Esses são alguns dos fatores que nos levaram a interpretar que eles reconheceram de alguma forma as pegadas — afirma a paleontóloga Aline Ghilardi.
Os autores do artigo avaliam que os achados confirmam que os povos indígenas antigos produziram conhecimento a respeito dos fósseis, o que, na avaliação dos pesquisadores, desconstruiria a narrativa que tira a legitimidade dos saberes e das descobertas feitas pelos povos americanos pré-coloniais, tratados como não-científicos.
— Os cientistas europeus e brancos, em sua maioria e pela maior parte do tempo, ignoraram totalmente o fato de que os indígenas brasileiros viveram nesse território por milhares de anos e que, pela lógica, só poderiam ser profundamente conhecedores do patrimônio paleontológico daqui. Para a ciência europeia, o indígena não teria sequer habilidade e método científico o suficiente para identificar fósseis... esse sítio nos prova que isso é um grande equívoco histórico — disse o arqueólogo do Iphan Leonardo Troiano, um dos autores do artigo, em entrevista ao Ministério da Cultura (Minc).
A arqueóloga Larissa Araújo, do Iphan na Paraíba, aponta que a raridade do sítio faz com que ele ocupe destaque internacional e aumenta a importância de que seja garantida sua integridade, na medida em que é um testemunho excepcional da ocupação da região do sertão paraibano e das relações culturais dos grupos entre si e com o ambiente ao redor.
— A pesquisa destaca o interesse e a apropriação de registros fósseis por aquelas populações, e isso milhares de anos antes da formação dos campos científicos da paleontologia e da arqueologia em sociedades europeias — completa Jeanne Crespo.
Recadastramento e preservação
Publicada em março na revista científica internacional Scientific Report, do portfólio Nature, em artigo dos arqueólogos Heloísa Bitú e Leonardo Troiano e dos paleontólogos Aline Chilardi e Tituo Aureliano, a descoberta levou ao recente recadastramento do sítio pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
— A partir do recadastramento, o Instituto pode tomar ações próprias para a sua preservação, como a fiscalização do bem, o monitoramento do seu estado de conservação, indicação de medidas para sua proteção e, eventualmente, sua restauração. E realizar também sua socialização, como a exploração turística e a extroversão, aproximando o bem arqueológico e a sociedade — explica o arqueólogo do Iphan Thiago Trindade.
Os sítios arqueológicos já são legalmente protegidos pela Lei 3.924/61, mas a inclusão de informações sobre estes bens no Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão (SICG) é fundamental para que o Iphan tome conhecimento e realize a gestão.