Desde o início deste mês, o jornal digital GZH utiliza um mecanismo para impedir o uso não autorizado de seu conteúdo por robôs de inteligência artificial (IA) generativa como o ChatGPT, que se popularizaram ao longo do último ano. Além de implantar bloqueios técnicos, GZH também atualizou seus termos de uso para proibir expressamente a coleta do conteúdo das reportagens para treinamento dos sistemas de IA generativa.
A determinação segue a linha de diversos veículos da imprensa mundial como The New York Times, Financial Times e Washington Post. Foi recomendada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) com a finalidade de proteger o conteúdo original produzido pela imprensa profissional. Para funcionarem, os mecanismos de inteligência artificial generativa "leem" os sites da internet para coletar informações e responder às perguntas ou demandas dos usuários. Sem, no entanto, remunerar pelo conteúdo seus autores.
Este aspecto é crucial para garantir a sustentação da produção de jornalismo independente, que demanda investimento na apuração dos fatos, checagem e edição criteriosa. Para custear este investimento, veículos profissionais buscam remuneração de variadas formas - seja diretamente do público, por assinaturas, seja de empresas pela exibição de publicidade em diversos formatos. Ao coletar as notícias sem autorização, as ferramentas de IA enfraquecem a capacidade do jornalismo profissional de se manter.
— Nas redações do Grupo RBS, mais de 500 profissionais trabalham para produzir conteúdo jornalístico de qualidade, com apuração junto a fontes confiáveis, checagem dos fatos, busca incessante da verdade, equilíbrio, pluralidade e responsabilidade. Conteúdos produzidos por inteligência artificial misturam fontes de redações profissionais com fontes duvidosas, sem dizer claramente ao usuário de onde o conteúdo foi garimpado. E há o grande problema da apropriação de conteúdos de veículos de comunicação sem pagamento por isso — diz Marta Gleich, diretora-executiva de Jornalismo e Esporte do Grupo RBS.
O bloqueio técnico feito por GZH também vem sendo realizado por publicações ao redor do mundo - de acordo com a ANJ, até setembro mais de 400 veículos já haviam instalado o código que impede o uso pelo ChatGPT. A ANJ se juntou à coalizão mundial de entidades de imprensa que lançou, no dia 6 de setembro, o documento "Princípios Globais para a Inteligência Artificial". Entre outros pontos, a coalizão requer o respeito aos direitos de autor e à propriedade intelectual dos produtores de jornalismo, além de transparência sobre a origem dos conteúdos usados por desenvolvedores e operadores de inteligência artificial generativa. Também é objetivo da coalizão discutir uma regulação mundial para os desenvolvedores de IA. A atualização dos termos de uso dos sites jornalísticos funciona tanto como uma salvaguarda jurídica quanto como uma ferramenta de transparência para o leitor.
— Entendemos que todo e qualquer conteúdo jornalístico tem propriedade, que deve ser reconhecida, creditada e devidamente remunerada por seu uso por terceiros. Os modelos e desenvolvedores de IA que se valem de conteúdos jornalísticos sem autorização estão, portanto, sujeitos a processos pelo uso irregular de direitos de terceiros. Por isso, é louvável que os veículos jornalísticos deixem isso claro, no sentido de proteger uma produção jornalística custosa que deve ser valorizada e remunerada — diz o presidente da ANJ, Marcelo Rech.
As medidas não significam a rejeição das possibilidades de uso da inteligência artificial no jornalismo. Em GZH, um projeto experimental está em andamento com a edição e publicação de conteúdos automatizados de previsão do tempo e horóscopo. Neles, a edição e publicação são feitas por inteligência artificial a partir de fontes confiáveis contratadas por GZH - a empresa de meteorologia Climatempo e o astrólogo Oscar Quiroga, respectivamente - com supervisão humana. Outras ferramentas vêm sendo testadas constantemente na Redação Integrada e podem ajudar jornalistas a direcionarem energia para seu papel primordial: apurar informações e entregar notícias, análise e opinião qualificada.
— A Inteligência Artificial pode ser usada em redações, com critérios claros e responsabilidade, em atividades como fazer resumos de textos produzidos por um jornalista, para que os profissionais possam dedicar o tempo para qualificar seu conteúdo. Ou produzindo conteúdos que apresentam dados, como a previsão do tempo em muitas cidades, ou o resultado de loterias, desde que a fonte seja confiável, como um serviço de qualidade de previsão do tempo ou a Caixa Econômica Federal, por exemplo — diz Marta.