O cérebro humano moderno se desenvolveu muito mais tarde do que os cientistas acreditavam, depois que nossos ancestrais se dispersaram pela primeira vez a partir da África, revelou um novo estudo nesta quinta-feira (8).
Dessa forma, o gênero Homo, que inclui muitas espécies extintas, como Homo erectus e homem de Neandertal, e a nossa, Homo sapiens, nem sempre teve um cérebro evoluído similar.
Os pesquisadores buscaram resolver o que até então era um mistério:
— Quando as estruturas cerebrais que nos fazem humanos se desenvolveram? — resume Christoph Zollikofer, paleoantropólogo da Universidade de Zurique, na Suíça, e um dos coautores do estudo publicado na prestigiada revista Science.
— Pensava-se que o cérebro do tipo humano evoluiu no início do gênero Homo, cerca de 2,5 milhões de anos atrás — explica.
Mas essa evolução ocorreu muito depois, entre 1,7 milhão e 1,5 milhão de anos atrás, concluem esses novos trabalhos. Para alcançar esse resultado, ele e sua colega Marcia Ponce de León, principal autora da pesquisa, estudaram vários fósseis de crânios da África, da Georgia e de Java (Indonésia). Como os cérebros não fossilizam, a única maneira de observar sua evolução é estudar as marcas que eles deixaram no interior do crânio.
Assim, os cientistas "escanearam" os crânios e criaram uma imagem virtual do que os preenchia há muito tempo, como um molde, que é chamado de endocast.
Que características buscaram então para determinar a "modernidade" de um cérebro? Em humanos, "certas áreas do lobo frontal são muito maiores do que as dos símios", diz Christoph Zollikofer. Uma delas é a área de Broca, associada à linguagem.
Essa expansão tem o efeito de deslocar tudo para trás:
— E esse deslocamento para trás pode ser observado nos endocasts de fósseis, quando detectamos as impressões das fissuras cerebrais.
"Surpresa"
Graças ao estudo de crânios que vieram da África, os pesquisadores puderam verificar que os mais antigos, que datam de mais de 1,7 milhão de anos, tinham um lobo frontal característico dos grandes primatas.
— Esse primeiro resultado foi uma grande surpresa — afirma o paleoantropólogo.
Significa que o gênero Homo "começou com o bipedismo (a capacidade de andar sobre os dois pés, nota do editor), não com um cérebro moderno", sintetiza ele, e que a evolução do cérebro "não tem nada a ver com ser bípede".
— A partir de agora, sabemos que em nossa longa história evolutiva (...), os primeiros representantes do nosso gênero Homo eram bípedes terrestres, com cérebros próximos aos dos grandes símios — acrescenta.
Por outro lado, fósseis africanos mais jovens, que datam de 1,5 milhão de anos, revelaram características de cérebros humanos modernos. Ou seja, a evolução ocorreu entre essas duas datas, na África, segundo o estudo.
Essa conclusão é corroborada pelo fato de que foi nesse período que surgiram ferramentas mais complexas, denominadas achelenses, que têm a particularidade de terem duas faces simétricas.
— Isso não é uma coincidência — diz Zollikofer — Porque sabemos que as áreas cerebrais que se desenvolveram nessa época são as usadas para manipulações complexas, como a fabricação de ferramentas.
Por que aconteceu essa evolução? A hipótese dos pesquisadores é de que houve um ciclo virtuoso entre as inovações culturais e as mudanças físicas no cérebro, e que as duas se estimularam mutuamente.
Duas migrações a partir da África
O segundo resultado surpreendente do estudo vem de observações feitas em cinco fósseis de crânios encontrados no sítio arqueológico Dmanissi, na atual Georgia, na Europa, de 1,8 e 1,7 milhão de anos atrás. Os espécimes estão especialmente bem preservados.
Esses tinham cérebros primitivos. No entanto, "pensamos que eram necessários cérebros grandes e modernos para sair da África e se espalhar", explica o paleoantropólogo. Agora, "podemos mostrar que os cérebros (dessas populações) não eram grandes nem modernos, e mesmo assim deixaram" o continente.
Por fim, os fósseis da ilha asiática de Java, mais recentes, tinham características modernas. Portanto, os pesquisadores acreditam que houve uma segunda migração da África.
Em suma, "há uma dispersão inicial de populações com cérebros primitivos, e então o cérebro moderno evolui na África e essas pessoas se dispersam de novo", até chegar à Indonésia, diz Christoph Zollikofer.
— Não é uma hipótese nova, (...) mas pela primeira vez temos fósseis que a demonstram.