A descoberta de células intactas na mandíbula da múmia egípcia batizada de Iret-Neferet, de mais de 2,5 mil anos, ajudará na ampliação dos estudos sobre o crânio que, por mais de três décadas, ficou preservado em uma caixa de vidro no museu do Centro Cultural 25 de Julho, em Cerro Largo, no Noroeste do Rio Grande do Sul.
Objeto de pesquisa do Grupo de Estudo Identidades Afro-Egípcias, da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a múmia é uma das duas autenticamente egípcias identificadas hoje no Brasil — a outra, chamada de Tothmea, está no Museu Egípcio e Rosacruz, em Curitiba (PR).
A peça estudada pelos pesquisadores da PUCRS, cuja história foi publicada em GZH em 2019, teve parte do osso da mandíbula e do músculo do masseter processados para análise histológica no Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital São Lucas da PUCRS.
— Não é uma célula viva. É uma célula intacta com a sua morfologia, com todos os aspectos da célula preservados — explica o cirurgião bucomaxilofacial e doutor em Gerontologia Éder Abreu Hüttner, membro do grupo de pesquisa.
Éder, que é irmão do pós-doutor em História, pesquisador, caçador de relíquias e coordenador do Grupo de Estudo, Édison Hüttner, apresentou a descoberta no congresso online promovido pela European Association for Osseointegration, realizado em Berlim, na Alemanha, em outubro. A publicação científica foi assinada pelos irmãos e pelo especialista em periodontia Bruno Candeias.
Para Éder, a descoberta das células possibilitará novos estudos referentes à múmia, como os aspectos nutricionais, o estilo de vida no período, podendo-se traçar um ambiente comparativo com a sociedade moderna.
Em 2019, os irmãos assinaram um termo com o Museu de Cerro Largo, onde a múmia está localizada, para continuarem com as pesquisas por mais cinco anos. Segundo Édison, o próximo passo será sequenciar o DNA de Iret-Neferet.
Como a múmia foi parar em Cerro Largo:
- No início dos anos 1950, um advogado natural da região e que vivia no Rio de Janeiro ganhou a peça de presente de um amigo egípcio, que estava com câncer e tinha os dias de vida contados.
- Ao retornar para o Rio Grande do Sul, o advogado carregou o crânio para diferentes cidades onde morou.
- A múmia ficava sempre numa sala reservada da casa da família.
- No final dos anos 1970, o advogado, que também acabou sendo vítima de um câncer — na garganta —, decidiu doar a peça ao integrante do museu de Cerro Largo, o filósofo, historiador e psicólogo Guido Henz, para ser incluída no catálogo de 2 mil artigos existentes no local.
- Henz conta que a família do advogado não queria mais o crânio por considerá-lo maldito.
- O doador morreu no início dos anos 1980. Desde então, Iret-Neferet ficou reservada no museu de Cerro Largo.
- Em junho de 2017, Henz contatou Édison Huttner.
- Em 2018, a múmia passou a ser estudada pelo grupo da PUCRS.