Não. Não são OVNIs, tampouco aviões em treinamento sobrevoando Porto Alegre. Os pontos de luz enfileirados avistados na noite de segunda-feira (24) na Capital tratam-se de satélites da constelação Starlink. Mas afinal, o que é isso?
O projeto Starlink, idealizado em 2015 por Elon Musk, homem à frente da americana SpaceX, tem como objetivo cobrir o planeta de satélites para prover internet banda larga com preços acessíveis e em pontos antes não atendidos pelas redes atuais. Ambicioso, o plano quer criar uma mega constelação, formada por, pelo menos, 12 mil satélites em órbita — a SpaceX já teria pedido autorização para lançar outros 30 mil.
Até hoje, já orbitam, a uma altitude de aproximadamente 550 quilômetros, 653 satélites. O primeiro lançamento, ainda em fase experimental, ocorreu em fevereiro de 2018, quando foram enviados dois satélites — Tintin A & B.
Mais de um ano depois dos testes, em maio de 2019, o primeiro lote com 60 satélites retornou ao espaço. O último lançamento ocorreu na terça-feira passada (18), e levou para o espaço 58 satélites. A companhia almeja fechar o ano de 2020 com 1,5 mil satélites.
O que dizem os especialistas?
Até que os satélites da Starlink atinjam suas órbitas operacionais, podem-se passar meses. É justamente nesse período, de acordo com a Forbes, que eles ficam visíveis, em fileiras, por onde passam, em razão das superfícies reflexivas que têm.
— Nos primeiros dias, eles orbitam todos juntos, com um curto espaçamento entre eles, mas à medida que vai passando o tempo, eles vão sendo manobrados para atingirem a altitude e a separação planejada para eles — diz Marcelo Zurita, diretor técnico da Brazilian Meteor Observation Network (Bramon).
Essa característica, inclusive, é bastante criticada pela comunidade astronômica, pois, ao refletirem a luz, os equipamentos interferem e prejudicam observações.
— Imagens deste ano, do cometa Neowise, obtidas na Europa, mostraram o céu todo riscado do brilho desses satélites. Depois do fato verificado que eles refletem a luz solar na Terra e interferem nas observações, a própria empresa já fala em realizar mudanças que serão suficientes. Será? — observa Daniela Borges Pavani, professora do Departamento de Astronomia do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e diretora do Planetário da instituição.
Para reduzir o problema, a SpaceX anunciou, no começo do ano, um tratamento para escurecer as superfícies dos satélites, reduzindo suas capacidades reflexivas. Ainda assim, é possível observá-los.
— Os últimos satélites lançados receberam uma manta escura com o objetivo de refletir menos a luz solar, mas são justamente esses que estão sendo vistos e registrados nos últimos dias. Ou seja, continuam visíveis e continuarão atrapalhando algumas áreas da astronomia — completa Zurita.
Outro ponto controverso é a quantidade de satélites que ficarão em órbita. Para se ter uma ideia, atualmente, o número de satélites ativos no espaço passa dos 2 mil, de acordo com a European Space Agency. Se for realizado conforme o planejado, o projeto de Musk vai ampliar esse número em mais de 20 vezes. China e empresas privadas de outros países também anunciaram suas pretensões de explorar o espaço. Aí, diz Daniela, a conversa vai além do debate astronômico: entra nos campos éticos, filosóficos, econômicos e tecnológicos:
— Nos Estados Unidos, as empresas pedem autorização somente para agência de comunicação. Não é discutido o impacto desses satélites com quem usa o céu como espaço de pesquisa nem com a população em geral. E por que as pessoas devem debater o tema? Usar o céu comercialmente em uma escala que nos impedirá de olhar para o céu noturno é um tópico que diz respeito a toda a humanidade, não somente a uma nação ou agência.
Daniela destaca que, fora o aspecto visual, essencial para uma infinidade de pesquisas na área, esses satélites têm potencial para prejudicar, também os radiotelescópios, usados para escutar sinais provocados por fenômenos cósmicos.
— O céu não pertence a uma nação ou empresa. Já temos uma perda do céu noturno (nas grandes cidades). Eles (os satélites) podem não refletir o sol, mas estão encobrindo o céu que, embora a gente não perceba no dia a dia, está intimamente ligado com a nossa vida —defende a professora, acrescentando que, graças às observações do céu e da compreensão dos seus fenômenos, foi possível, entre outras coisas, criar um calendário e dividir o ano em estações.
E quando esse tipo de internet estará disponível?
Discussões à parte, outro questionamento recorrente sobre o assunto Starlink é quando, afinal, essa internet estará disponível. Ainda em outubro de 2019, Musk enviou um tuíte via Starlink.
Em abril deste ano, também anunciou que os testes privados começariam em três meses, enquanto os públicos estariam disponíveis em seis meses, ou seja, em outubro.