Considerada um exemplo de superação por sua história, que motivou inclusive o projeto de um filme, a cientista brasileira Joana D'Arc Félix de Sousa teve cancelada a sua participação em um evento em Porto Alegre.
Ela realizaria a palestra Todos São Capazes de Conquistar o seu Espaço e de Construir o seu Futuro nesta quinta-feira (16), às 16h, no Centro de Eventos da PUCRS, dentro da programação do Congregarh 2019, organizado pela Associação Brasileira de Recursos Humanos — Seccional Rio Grande do Sul (ABRH-RS).
Segundo a assessoria de imprensa do evento, o cancelamento foi uma decisão em "comum acordo" entre a convidada e a organização. Em seu lugar, falará a atleta paraolímpica Terezinha Guilhermina.
Tema de diferentes reportagens nos últimos anos e ministrante de palestras sobre sua trajetória, Joana está envolvida em uma polêmica desde que o jornal O Estado de S. Paulo revelou, nesta terça-feira (14), que ela utilizou um diploma falso para comprovar o pós-doutorado que sustentava ter cursado na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. A reportagem também verificou que ela não ingressou na faculdade, no Brasil, aos 14 anos como havia declarado em entrevistas e palestras, e sim aos 19 anos.
Nesta quarta (15), a cientista divulgou uma nota: "Tudo que foi publicado está sendo apurado por um advogado ligado ao Movimento Negro Brasileiro, porque tenho certeza que ainda estão achando que os negro(as) ainda têm que viver na senzala, ou seja, estão achando que os negros(as) não podem estudar, não podem ser doutores, não podem desenvolver pesquisa de ponta... Tudo isso em pleno século 21".
Segue o texto: "Não tenho o pós-doutorado concluído e por isso não tenho diploma de pós-doutorado e muito menos diploma falso. Também não fui aluna efetiva da Universidade de Harvard, porque o trabalho foi desenvolvido a distância".
A assessoria de Taís Araujo, que é produtora da cinebiografia planejada pela Globo Filmes sobre a professora, declarou ao site da Veja que a atriz ficou surpresa com a história revelada pela reportagem e que não vai se pronunciar por enquanto. Taís representaria o papel de Joana no cinema, mas desistiu devido a críticas sobre o fato de ter um tom de pele mais claro do que o da biografada. Já o diretor do longa, Alê Braga, afirmou que "é prematuro dizer alguma coisa" e que está "analisando a situação e reunindo informações".
Informação sobre Harvard segue no currículo
Nascida em uma família pobre no interior de São Paulo, Joana realizou graduação, mestrado e doutorado em Química na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como confirmou a reportagem do Estado. Desde 1999, é professora na Escola Técnica Professor Carmelino Corrêa Júnior, em Franca (SP).
Na primeira entrevista ao Estado, Joana afirmou ter morado por dois anos em Cambridge, cidade americana onde está localizada a Universidade Harvard, e retornado ao Brasil após a morte do pai. Para atestar o pós-doutorado, enviou à reportagem um diploma datado de 1999 com o brasão da universidade americana e duas assinaturas, uma delas do professor emérito de Química Richard Hadley Holm.
Ao analisar o documento a pedido do jornal brasileiro, Harvard informou que não emite diploma para cursos de pós-doutorado e alertou para erros de grafia em inglês no documento. Consultado, o professor Holm escreveu por e-mail: "O certificado é falso. Essa não é a minha assinatura, eu não era o chefe de departamento naquela época. Eu nunca ouvi falar da professora Sousa".
Questionada pelo jornal sobre o diploma em nova entrevista, a cientista afirmou que o documento foi produzido para uma "encenação de teatro":
— Mas eu não concluí (o pós-doutorado), eu não tenho certificado. As meninas mandaram junto quando o jornalista me pediu documentos. Eu pensei: "Tenho que contar isso para o jornalista", mas não falei mais com ele.
Na tarde desta quarta (15), data da última atualização do currículo acadêmico de Joana na plataforma Lattes, o pós-doutorado no Exterior seguia citado. Consta 1997 como ano de início e 1998 como ano de interrupção.
Outra informação desmentida foi a bolsa que ela teria recebido da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes) para a pesquisa nos Estados Unidos. A Capes afirmou ao Estado que o nome de Joana não consta em qualquer registro de bolsistas.