Há 30 anos, o físico britânico Tim Berners-Lee criou a World Wide Web – rede mundial de computadores. A proposta deste sistema era tornar possível o compartilhamento de informações sobre os aceleradores e experimentos realizados por estudiosos da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN, sigla em inglês). A ideia não foi aprovada num primeiro momento, mas foi aperfeiçoada e hoje é quase impossível imaginar uma vida sem a praticidade do e-commerce ou a comodidade que a busca por informações que a web proporciona.
Necessário, aqui, distinguir dois conceitos: "internet" e "web". O primeiro é a rede que conecta computadores ao redor do mundo. É por essa estrutura que são transferidos os dados entre os mais diversos tipos de dispositivos móveis. Já o segundo é uma ferramenta de acesso a essa grande rede, e é por ela que o usuário consegue fazer uso do conteúdo que é transferido na internet.
Na carta escrita e divulgada nesta terça-feira (12) em homenagem ao 30º aniversário desta grande teia, Berners-Lee ressaltou que as diversas facetas adquiridas pela web fazem com que “a divisão entre os que estão online e os que não estão vai aumentando, tornando ainda mais imperativo fazer da web um local disponível para todo o mundo”.
Vale observar que, apesar de se fazer presente nos grandes centros 39% das casas brasileiras não têm nenhuma forma de acesso à internet, segundo dados do levantamento da Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) Domicílios 2017, divulgada pelo Comitê Gestor da Internet ano passado.
No documento, o físico também destaca que a ferramenta deu oportunidade de voz para grupos que eram minorizados e marginalizados. O especialista em desenvolvimento do Centro de Estudos sobre Tecnologias Web do Escritório Brasileiro do Consórcio World Wide Web (W3C), Reinaldo Ferraz, faz coro à afirmação e acrescenta que os usuários passaram de consumidores para produtores de conteúdo e de suas próprias demandas.
— O mais interessante é que, com o tempo, a gente deixou de simplesmente ler documentos na internet e passou a ser produtor de conteúdo nesta plataforma. Na Wikipédia, por exemplo, as pessoas escrevem, editam e fazem a curadoria dos artigos da plataforma — observa.
No entanto, o físico relata também que a ferramenta “criou oportunidades para golpistas, dando voz àqueles que espalham o ódio”. Soma-se a isso os retrocessos ao uso livre da internet, como a China que sancionou conteúdos considerados pelo governo inadequados ou mesmo a Rússia que já aprovou, na Câmara baixa do Parlamento, um projeto de lei que visa proibir que o tráfego de internet do país seja direcionado para servidores externos, o que implica o isolamento russo da rede mundial.
O presidente da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), Lisandro Granville, ressalta como um grande desafio para o presente e futuro da internet as fakes news, como as que circularam na campanha presidencial brasileira. Além disso, destaca que a segurança e a privacidade digitais ganham cada mais relevância por situações de vazamento e uso indevido de dados pessoais para fins políticos, como no caso da Cambridge Analytica.
– Importante salientar que a preocupação deve ser em relação às plataformas com as quais compartilhamos nossos dados, mas também com as pessoas. É preciso saber como se comportar no mundo virtual, entender que não se pode compartilhar informações do modo como, geralmente, se faz – alerta Granville.
Participação popular na governança da internet
Uma das bandeiras do pai da web Tim Berners-Lee é a re-descentralização da internet. Por isso, ele criou o projeto Solid, que tem o objetivo de armazenar todos os dados da pessoa e oferecer maior controle sobre suas próprias informações, não as deixando nas mãos de grandes empresas. Assim, o indivíduo é quem decide quais informações ceder. Outra iniciativa do pesquisador é o Contrato para a Web, que ele próprio escreveu juntamente com outros entusiastas do ramo. Neste documento, Berners-Lee propõe a união entre governos, empresas e cidadãos para ajudar a proteger a internet aberta e torná-la um direito básico. Reinaldo Ferraz salienta que este contrato coloca todos os agentes envolvidos com esta tecnologia em contato direto:
— A ideia do Tim Berners-Lee é fazer todas essas pessoas trabalharem juntas para que esta ferramenta evolua. Afinal, uma preocupação dele é que a web fique fechada em pequenos cilos, que alguns países fechem o acesso a servidores externos, logo, que a internet se fragmente e perca seu propósito que é ser algo universal. Aqui no Brasil, tivemos um bom exemplo de participação popular ativa quando foi redigido o Marco Civil da Internet. A presença dos setores da sociedade foi fundamental.