Imagine uma grande rodovia, com diversas faixas, nas quais circulam muitos caminhões e carros por dia, o que ocasiona bastante congestionamento. Agora, pense que uma dessas faixas foi liberada para a circulação exclusiva de automóveis de passeio. Com a medida, o fluxo do trânsito melhora e as pessoas passam a chegar com maior rapidez e facilidade ao destino final. De maneira muito parecida, a liberação da faixa de 700 MHz para uso das operadoras de telefonia móvel permite maior abrangência e velocidade da internet 4G no Brasil.
Para compreender melhor como ocorreu essa liberação, voltemos a 2015, quando o sinal analógico de TV do país começou a ser desligado para dar lugar ao digital. Com a implantação gradual desta tecnologia, a população passou a receber sinal de som e de imagem em maior qualidade nos televisores. E as faixas de frequência passaram a ser melhor otimizadas, já que o sinal digital é mais eficiente e requer menor infraestrutura para fazer sua informação chegar ao destinatário, explica o professor da Escola Politécnica da PUCRS, Renan Caron.
— O sinal digital é muito mais inteligente do que o analógico, a mesma informação pode ser enviada em uma banda mais estreita ou mais informações podem ser enviadas pelo mesmo canal. Houve um excedente de faixas, então, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) leiloou parte delas, as que estavam entre 698 MHz e 806 MHz, que eram utilizadas pelas TVs analógicas, para uso de telefonia móvel e fixa para expandir este serviço no país. Esta é a chamada faixa de 700 MHz — diz Caron.
Anteriormente, as linhas de 2,5 GHz, 1.800 MHz e 2.600 MHz eram as destinadas para a 4G, o problema é que seu alcance é muito curto, já que quanto maior a frequência, menor é sua capacidade de penetração e de superação de obstáculos físicos — por isso que a velocidade da internet fica lenta dentro de prédios. Com o acréscimo da banda de 700 MHz, a abrangência do sinal da internet das torres subiu de 2 quilômetros para 8 a 10 quilômetros, explica Antonio Carlos Martelleto, diretor da Seja Digital, entidade administradora da digitalização dos canais de TV criada pela Anatel para operacionalizar a migração do sinal analógico para o digital.
A inclusão desta faixa no hall de linhas já disponíveis para a transmissão de sinal de internet é um ganho e tanto para o Brasil, país no qual 97% das pessoas acima dos 10 anos acessam a web por meio de dispositivos e 78,3% fazem uso da banda larga móvel, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad) 2017: Acesso à Internet e à Televisão e Posse de Telefone Móvel Celular para Uso Pessoal divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O especialista em Telecom, Eloy Velásquez, afirma que ao associar bandas de frequência de sinal é possível aumentar significativamente a velocidade e cobertura da internet móvel.
— A combinação da faixa de 700 MHz com as existentes de 1.800 MHz e 2.600 MHz, utilizando agregação de portadoras e dependendo da largura de banda, adicionará capacidade de transmissão (taxa de transferência) e poderá permitir velocidades significativamente superiores ao do 4G convencional — relata Velásquez.
Para Martelleto, além de aumento em velocidade de acesso, que sobe em até três vezes para o usuário, a mudança impulsiona a economia.
— Hoje, todas as capitais brasileiras contam com sinal digital, mais de 1,3 mil cidades têm sinal de TV aberta 100% digital, ou seja, são mais de 39 milhões de domicílios que dispõem da tecnologia que liberou a faixa de 700 MHz. No momento, 75% dos municípios têm acesso ao 4G na nova linha. Esse projeto de expansão tem propiciado melhora na cobertura da internet móvel no Brasil e ainda favorece o crescimento econômico do país que está, intimamente, ligado à qualidade do serviço de web ofertado — diz o presidente da Seja Digital.
Martelleto também explica que o processo de liberação para uso do novo espaço de transmissão demora em torno de 11 meses. Nove são destinados à limpeza da faixa para evitar futuras interferências no sinal da televisão digital — fenômeno que ainda não foi registrado, conforme a Seja Digital, mais 60 dias para, efetivamente, ativar o serviço de web das operadoras na frequência de 700 MHz.
Maioria das empresas de telefonia operam dentro da faixa de 700 MHz
Para que a faixa de 700 MHz pudesse ser utilizada, as empresas de telefonia Vivo, Tim e Claro participaram do processo de licitação pública promovido pela Anatel e arremataram pelo valor total de R$ 10 bilhões a concessão para usufruir da banda de 700 MHz pelo período de 15 anos.
Atualmente, a Vivo já opera nesta frequência em mais de 200 municípios gaúchos, inclusive na Capital, com a 4G e 4G+. A Claro está em mais de 600 cidades brasileiras com internet móvel entre 4G e 4,5G dentro desta faixa e a Tim está em mais de 1.280 localidades licenciadas na frequência de 700 MHz e que utilizam a internet de quarta geração nessa modalidade. Apenas a Oi não opera dentro desta linha de transmissão: a internet 4G e 4,5G disponibilizada pela empresa está nas frequências de 2600 MHz e 1800 MHz.
O usuário que mora nas áreas de cobertura da faixa de 700 MHz e que deseja usufruir do serviço mais rápido e abrangente de acesso à web precisa ter celular compatível com a tecnologia 4G, o que é a realidade da maioria dos aparelhos disponíveis no mercado. Os que ainda têm chip 3G precisam fazer a troca pelos de quarta geração nas lojas de telefonia.